12 - Selvagem
Nos filmes do oeste, entre vaqueiros e índios, era habitual surgir a
expressão "cidade de um só cavalo", como termo pejorativo para pequenas cidades perdidas no meio do deserto,
aquelas que nos filmes os índios atacavam e os vaqueiros salvavam.
Pois a Selvagem Grande é um ilha de um só cão. Esse cão, aliás
uma cadela, é a Selvagem. A homónima da ilha é uma cadelinha de
pelo malhado preto e branco, sem nenhum raça óbvia, que dá as
boas-vindas aos visitantes da outra Selvagem, a ilha, desde 2005. A
Selvagem canina veio para a ilha em 2005, ainda cachorra, e desde aí
viveu sempre na ilha, apenas com uma curta ida ao Funchal por motivos
médicos no ano passado. Nota-se que ela não sabe ser cão. Talvez
por ter sempre vivido entre pessoas, quando mostra os dentes está-se
a rir, como uma pessoa, não pretendendo ameaçar ninguém com o
vislumbre dos seus caninos, e quando não está a comer ou a
pedinchar bolachas e queijo, ela gosta mesmo é de se deitar ao sol,
a mirar o mar, pronta a avisar com alguns latidos a chegada de algum
barco. Na verdade a Selvagem não é um cão de guarda muito bom, não
é incomum ser ela a última a notar a chegada de alguma embarcação
e nem sequer sabe guardar a sua comida, que geralmente acaba comida
pelas lagartixas que se juntam às dezenas para roubar a ração ou
outra comida directamente do prato da Selvagem.
Quando subimos ao planalto, para visitar os ninhos das aves, a
Selvagem vem connosco, subindo com invejável facilidade a subida que
a nós tanto custa. Que maravilha ter quatro patas e menos cinquenta
ou sessenta quilos de peso! Não sei se ela sempre se portou bem
junto das aves, ou se aprendeu ainda pequena o quanto pode doer uma
bicada de uma cagarra mal disposta, mas enquanto trabalhamos a
Selvagem limita-se a descansar na sombra de algum arbusto, sempre de
olho na possibilidade de ser hora de voltar a casa que é sem dúvida
a parte da ilha que ela mais gosta.
A Selvagem tem medo do mar, o que é uma fobia algo desagradável
para quem vive numa ilha de pequenas dimensões. Ainda pequena, a
Selvagem foi apanhada por uma onda, tendo apanhado um grande susto do
qual só saiu com vida por sorte e desde aí mantém sempre uma
distância confortável do mar, quer este esteja calmo ou borrascoso.
Pode ter medo do mar, ser a última a ver os barcos que chegam à
ilha, e não conseguir defender a sua comida das lagartixas, mas é
impossível não nos apaixonar-mos pelo focinho felpudo e pelos olhos
meigos e castanhos da principal habitante de quatro patas da
Selvagem Grande.
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