sexta-feira, setembro 21, 2012

Postais das Selvagens


27 – Não é todos os dias

O paínho-de-Swinhoe na altura da sua libertação. A plumagem toda escura
 incluíndo a zona na base da cauda, a banda diagonal mais cinzenta na asa
 e o branco na base das penas de voo são algumas das características desta
espécie. (Fotografia tirada por Lourenço Alves) 

Muitos biólogos têm o seu quê de coleccionistas. Coleccionam animais, coleccionam plantas, coleccionam a porção das miríades de espécies que povoam o nosso planeta que já tiveram a sorte ou o engenho de avistar. Possivelmente os piores de todos são os ornitólogos. Conheço muitos que mantém listas das aves observadas em cada dia, em cada país, em cada estação do ano, em cada casa ou cidade onde viveram. Eu não levo a coisa a esse extremo, mas gosto de manter a minha lista das espécies que já observei e gosto sempre de somar mais uma espécie à lista.
A minha vinda às Selvagens rapidamente rendeu várias espécies novas, espécies oceânicas muito dificeis de avistar no continente, como a alma-negra e o calcamar, ou espécies endémicas das ilhas do Atlântico, como o corre-caminhos. Na Selvagem Grande fora já avistada um par de vezes uma espécie de ave marinha cuja área de distribuição habitual é o noroeste do Pacífico, nos mares do Japão e da China, mas que visita por vezes o nosso Atlântico. Trata-se do paínho-de-Swinhoe, ou Oceanodroma monorhis, uma espécie que faz lembrar uma alma-negra em miniatura, tendo também a plumagem predominantemente preta. Quis o destino que numa das noites em que subimos ao planalto, enquanto espreitava um ninho de alma-negra, o Cristobal me perguntasse: " e esta que aqui está no chão, queres que eu apanhe?". Eu disse que sim, que a segurasse um pouco para ver se tinha anilha. Não tendo anilha, a ave ia ser libertada, mas quando eu me voltei para trás e olho para o animal nas mãos do Cristóbal notei logo que havia ali algo de diferente. Fazia lembrar uma alma-negra, sim, mas era muito mais pequena. "Espera" disse eu, "isso não é uma alma-negra". Foi aí que o Cristóbal também olhou para ela com mais cuidado e notou o seu erro. Tratava-se claramente do esquivo e improvável paínho-de-Swinhoe.
Claro que não perdemos a oportunidade para documentar a nossa descoberta. A ave foi profusamente fotografada de múltiplos ângulos e pormenores, foi medida, pesada e finalmente anilhada. Posso dizer que sou um dos pouquíssimos portugueses, se não mesmo o único, que alguma vez anilharam uma ave destas. Não é todos os dias...

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