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Não é todos os dias
Muitos biólogos têm o seu quê de coleccionistas. Coleccionam animais, coleccionam plantas, coleccionam a porção das
miríades de espécies que povoam o nosso planeta que já tiveram a
sorte ou o engenho de avistar. Possivelmente os piores de todos são
os ornitólogos. Conheço muitos que mantém listas das aves
observadas em cada dia, em cada país, em cada estação do ano, em
cada casa ou cidade onde viveram. Eu não levo a coisa a esse
extremo, mas gosto de manter a minha lista das espécies que já
observei e gosto sempre de somar mais uma espécie à lista.
A minha vinda às Selvagens rapidamente rendeu várias
espécies novas, espécies oceânicas muito dificeis de avistar no
continente, como a alma-negra e o calcamar, ou espécies endémicas
das ilhas do Atlântico, como o corre-caminhos. Na Selvagem
Grande fora já avistada um par de vezes uma espécie de ave marinha
cuja área de distribuição habitual é o noroeste do Pacífico, nos
mares do Japão e da China, mas que visita por vezes o nosso
Atlântico. Trata-se do paínho-de-Swinhoe, ou Oceanodroma
monorhis, uma espécie que faz lembrar uma alma-negra em
miniatura, tendo também a plumagem predominantemente preta. Quis o
destino que numa das noites em que subimos ao planalto, enquanto
espreitava um ninho de alma-negra, o Cristobal me perguntasse: "
e esta que aqui está no chão, queres que eu apanhe?". Eu disse
que sim, que a segurasse um pouco para ver se tinha anilha. Não
tendo anilha, a ave ia ser libertada, mas quando eu me voltei para trás
e olho para o animal nas mãos do Cristóbal notei logo que havia ali algo de diferente. Fazia lembrar uma
alma-negra, sim, mas era muito mais pequena. "Espera" disse
eu, "isso não é uma alma-negra". Foi aí que o Cristóbal
também olhou para ela com mais cuidado e notou o seu erro.
Tratava-se claramente do esquivo e improvável paínho-de-Swinhoe.
Claro que não perdemos a oportunidade para documentar a
nossa descoberta. A ave foi profusamente fotografada de múltiplos ângulos e pormenores, foi medida, pesada e finalmente anilhada.
Posso dizer que sou um dos pouquíssimos portugueses, se não mesmo o
único, que alguma vez anilharam uma ave destas. Não é todos os
dias...
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