17 – Gaiado para
o jantar
Os magníficos gaiados que os pescadores nos ofereceram. |
Ainda não tínhamos sequer chegado às Selvagens, ainda a bordo do
patrulha, e já o Jaques me dizia que era bom era se aparecesse um
barco de pesca nas ilhas. Ele conhece a maioria dos mestres que
pescam nestas águas, fruto dos muitos anos de Selvagens e da vida na
Madeira, que qual aldeia grande permite que toda a gente se conheça.
Dizia-me ele que se um barco de pesca nos visitasse era garantido
algum peixe fresco para comermos, provavelmente algum gaiado, ou
atum-bonito, habitualmente pescado nas águas em redor da Selvagem
Grande.
Faço aqui um à parte para explicar que actualmente não é possível
pescar nas ilhas Selvagens devido à ocorrência de algas tóxicas, do
tipo que pode causar marés-vermelhas, e que ao serem consumidas
pelos peixes entram na cadeia trófica tornando estes peixes um risco
para a saúde. Parece difícil de acreditar que tal coisa possa
acontecer aqui, nestas águas límpidas e paradisíacas, onde um
mergulho é sempre acompanhado de dezenas e dezenas de peixes de
várias espécies, mas são estas as consequências dos desequilíbrios que a humanidade tem causado aos ecossistemas
marinhos. Felizmente, os gaiados e outros peixes de maior porte só
passam pela região durante as suas migrações, não ficando tempo
suficiente perto das ilhas para ficarem contaminados, pelo que é
seguro come-los, mas custa mergulhar entre sargos, garoupas e salemas
de belo tamanho e não poder pescar um peixinho de vez em quando para
comer.
Ao fim de quase duas semanas na ilha, finalmente chegou o momento tão ansiado pelo Jaques. Logo pela manhã ele disse que ouvia um motor de
barco ao longo, afirmação que me custou muito verificar, por
inépcia auditiva minha ou por me faltar a experiência de quem há
mais de trinta anos ouve barcos aproximarem-se vindos do mar. Algum
tempo depois, enquanto subíamos para o planalto vimos o barco ao
longe, e era sem duvida um barco de pesca. Claro que quando voltamos
a descer já o barco estava ancorado perto da ilha, já o Jaques
tinha falado com o mestre via radio e tinha o bote pronto a partir
para ir buscar um peixinho. Uns dez minutos depois voltava ele de
sorriso aberto, com uma caixa cheia de gaiados. Eram onze ao todo,
acabados de pescar, a cheirar a mar e maresia e ainda com os tons
cinzentos e azulados que os animam em vida. Parecem pequenos atuns, e
de facto são-o, com os corpos fusiformes de quem nada a alta
velocidade como forma de vida, com barbatanas aguçadas para melhor
fender o mar azul. O Jaques prontificou-se a amanhar o peixe e esteve
entretido nessa actividade algo sanguinolenta durante uma boa hora ou
duas. Voltou finalmente da beira-mar com o peixe amanhado e partido
em postas, e depois de dividido em porções generosas, deu para nove
refeições fartas, tendo ficado uma delas pronta para ser cozinhada
já no próximo jantar. E escrevi eu estas palavras de estômago
preparado, pois o peixe está ali na cozinha, à espera, e só pode
ser tão bom quanto a fama que o Jaques lhe tem rendido.
Sem comentários:
Enviar um comentário