segunda-feira, setembro 10, 2012

Postais das Selvagens


17 – Gaiado para o jantar

Os magníficos gaiados que os pescadores nos ofereceram.

Ainda não tínhamos sequer chegado às Selvagens, ainda a bordo do patrulha, e já o Jaques me dizia que era bom era se aparecesse um barco de pesca nas ilhas. Ele conhece a maioria dos mestres que pescam nestas águas, fruto dos muitos anos de Selvagens e da vida na Madeira, que qual aldeia grande permite que toda a gente se conheça. Dizia-me ele que se um barco de pesca nos visitasse era garantido algum peixe fresco para comermos, provavelmente algum gaiado, ou atum-bonito, habitualmente pescado nas águas em redor da Selvagem Grande.
Faço aqui um à parte para explicar que actualmente não é possível pescar nas ilhas Selvagens devido à ocorrência de algas tóxicas, do tipo que pode causar marés-vermelhas, e que ao serem consumidas pelos peixes entram na cadeia trófica tornando estes peixes um risco para a saúde. Parece difícil de acreditar que tal coisa possa acontecer aqui, nestas águas límpidas e paradisíacas, onde um mergulho é sempre acompanhado de dezenas e dezenas de peixes de várias espécies, mas são estas as consequências dos desequilíbrios que a humanidade tem causado aos ecossistemas marinhos. Felizmente, os gaiados e outros peixes de maior porte só passam pela região durante as suas migrações, não ficando tempo suficiente perto das ilhas para ficarem contaminados, pelo que é seguro come-los, mas custa mergulhar entre sargos, garoupas e salemas de belo tamanho e não poder pescar um peixinho de vez em quando para comer.
Ao fim de quase duas semanas na ilha, finalmente chegou o momento tão ansiado pelo Jaques. Logo pela manhã ele disse que ouvia um motor de barco ao longo, afirmação que me custou muito verificar, por inépcia auditiva minha ou por me faltar a experiência de quem há mais de trinta anos ouve barcos aproximarem-se vindos do mar. Algum tempo depois, enquanto subíamos para o planalto vimos o barco ao longe, e era sem duvida um barco de pesca. Claro que quando voltamos a descer já o barco estava ancorado perto da ilha, já o Jaques tinha falado com o mestre via radio e tinha o bote pronto a partir para ir buscar um peixinho. Uns dez minutos depois voltava ele de sorriso aberto, com uma caixa cheia de gaiados. Eram onze ao todo, acabados de pescar, a cheirar a mar e maresia e ainda com os tons cinzentos e azulados que os animam em vida. Parecem pequenos atuns, e de facto são-o, com os corpos fusiformes de quem nada a alta velocidade como forma de vida, com barbatanas aguçadas para melhor fender o mar azul. O Jaques prontificou-se a amanhar o peixe e esteve entretido nessa actividade algo sanguinolenta durante uma boa hora ou duas. Voltou finalmente da beira-mar com o peixe amanhado e partido em postas, e depois de dividido em porções generosas, deu para nove refeições fartas, tendo ficado uma delas pronta para ser cozinhada já no próximo jantar. E escrevi eu estas palavras de estômago preparado, pois o peixe está ali na cozinha, à espera, e só pode ser tão bom quanto a fama que o Jaques lhe tem rendido.

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