sexta-feira, setembro 14, 2012

Postais das Selvagens


21 – Petiscos Selvagens

Cá estou eu no processo de preparar um arroz de polvo.

Continuando no mesmo tema, as refeições, à que dizer que se come muito bem na Selvagem Grande. Fosse obra minha, da minha colega Maria ou, sobretudo, do vigilante Jaques, os almoços e jantares eram sempre pontos altos de cada dia e deixavam sempre o estômago e as papilas gustativas bem aconchegados.
Já falei dos gaiados frescos que nos foram oferecidos pelos pescadores, peixes deliciosos da família do atum que foram sempre deliciosos, quer fritos, quer grelhados, quer assados que em escabeche. Lembro-me também de um deliciosos bacalhau à Gomes Sá feito pelo Jaques e de deliciosas saladas e massas de atum e carapaus com milho frito. Quanto ao peixe-espada, elemento essencial da cozinha madeirense, foram duas ou três as refeições em que reinou, sempre no forno com batatas e vegetais. Resta-me referir um arroz de polvo, da minha autoria, que não ficou mesmo nada mau. A secção do peixe ficou assim muito bem representada.
Da carne, passando pelas costeletas e bifes, o ponto alto foram sem duvida as monumentais feijoadas com que o Jaques nos brindou. Foram feijoadas ricas, abundantes de feijão, de tomate, de cenoura e de couve, com doses generosas de chouriço e deliciosos pedaços de porco e de frango, numa mistura de sabores que ficava ainda melhor na refeição seguinte, pois as feijoadas foram sempre preparadas em quantidade suficiente para pelo menos duas refeições. Devo dizer que as doses na Selvagem têm de ser ponderadas com o efeito da maresia e do trabalho de campo, sendo substancialmente maiores que doses normais. Acabados de subir e descer os carreiros íngremes até ao planalto e temperados pelo eterno aroma da maresia oceânica, atacávamos todas as refeições como se fossem a última e não poucas vezes era necessário recorrer à siesta para digerir o almoço. As espetadas, também elas tipicamente Madeirenses, e o entrecosto, ambos grelhados na brasa foram outras das iguarias provadas e largamente apreciadas. Falando de comida, não posso deixar de referir o pão fresco, cozido no forno a lenha por trás da casa, uma delícia!
As sobremesas foram geralmente de fruta, que tem de ser devidamente valorizada neste sítio remoto onde a fruta só chega de três em três semanas e também as saladas, em que os tomates selvagens da ilha eram presença constante, garantiam a dose recomendada de vitaminas. Ainda assim lembro-me de um bolo de banana, feito exactamente para aproveitar algumas bananas que não sobreviveram à dureza da estadia, e um doce de bolacha com café, natas e leite condensado, no fundo o clássico "doce da casa" que abunda por aí pelas casas de pasto do nosso país.
Falta-me referir que as refeições foram quase sempre regadas com vinho tinto e que no capítulo do álcool foram rainhas as belas ponchas que o Jaques nos preparou. Para quem não conhece, a poncha é uma bebida da Madeira, feita com aguardente de cana, mel e sumo de frutas, habitualmente laranja ou limão. Não há nada como uma bela poncha para aquecer o corpo e o espírito.

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