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Rotina e não só
A Selvagem acompanhava-nos quase sempre nas nossas surtidas nocturnas ao planalto em busca de almas-negras. |
Apesar de ser o principal motivo da estadia na ilha, o
trabalho acaba por ser pouco apelativo quando penso no que relatar
aqui, pelo que vai sendo preterido em favor de outras aventuras.
Contudo, o trabalho era também muito interessante e até divertido
em algumas ocasiões.
Diariamente, visitávamos cada ninho de alma-negra para
pesar as crias, que a pouco e pouco se iam aproximando do peso dos
adultos. Depois da fase inicial, em que perdemos algumas, as
fatalidades tornaram-se muito mais raras e fomos acompanhando cada
cria, ao longo dos seus aumentos e perdas de peso que relatam os
padrões de vindas ao ninho dos seus progenitores. A meio da segunda
estadia tínhamos já crias com pesos equiparáveis aos dos adultos,
enquanto que outras continuavam ainda num limbo entre a sobrevivência
e a morte por inanição. As maiores começavam já a desenvolver as
primeiras penas, ficando com o corpo coberto de pequenos canudos de
onde despontavam diminutas penas.
Outra parte do trabalho implicava procurar ninhos novos,
uns para servir de controlo, outros para recolher amostras de sangue
de adultos e crias, de forma a determinar com base nos isótopos de
alguns elementos no seu sangue as diferenças ou semelhanças nas
suas dietas. Por incrível que pareça os adultos podem ingerir
algumas presas e trazer outras diferentes para o ninho para alimentar
as suas crias. Este trabalho de procura implicava procurar orifícios com a dimensão e o aspecto geral de ninhos e espreitar ou apalpar o
terreno em busca de crias de alma-negra. Existem algumas pistas úteis, nomeadamente pequenas casca de ovo que são espalhadas perto
do ninho depois da eclosão, assim como as manchas brancas dos
dejectos das aves, mas o trabalho acabava sempre por ser difícil e
raramente encontrávamos mais do que três ou quatro ninhos por dia.
Com o final da estadia a espreitar cada vez mais
próximo, começava a ficar inquieto com as responsabilidades finais.
Por um lado teríamos de capturar vinte adultos dos ninhos de estudo,
para lhes colocar os geolocators que irão registar as suas migrações
até à próxima época de reprodução. Esta tarefa tem como
dificuldade encontrar os adultos, que nesta fase do desenvolvimento
das crias só vêm ao ninho durante a noite, e não vêm todas as
noites. Veremos como corre quando chegar a altura, na próxima
semana. A outra tarefa passa por recolher as tais amostras de sangue
de vinte crias e vinte adultos nos ninhos novos, o que tem a mesma
dificuldade de conseguir encontrar adultos suficientes, mesmo de
noite, com a agravante de até ao momento termos apenas trinta ninhos
detectados. Dentro de dias, ou aliás de noites, começaremos esta
tarefa.
Pelo meio, houve ainda tempo de recapturar o tal
painho-de-Swinhoe, espécie de outros oceanos que parece visitar por
vezes esta região. Tratava-se da mesma ave que capturamos
anteriormente, tendo a sua anilha portuguesa novinha em folha para o
provar.
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