9 - De noite ou
debaixo de água
A maravilhosa água da Enseada das Cagarras. |
Nas selvagens nem toda a gente consegue dormir bem. As cagarras, que
lá existem às dezenas de milhares, são muito ruidosas, sobretudo
ao anoitecer e ao amanhecer. Quer isso dizer que aqueles de sono mais
leve frequentemente acordam por volta das cinco horas da manhã,
altura em que as cagarras começam a sair para o mar para mais um
dia de faina, fazendo questão de o anunciar ruidosamente, no seu
zurrar coaxado repetido em milhares e milhares de bicos. O mar, no
seu eterno duelo com as rochas, mantém também um burburinho
constante, mas esse parece-me a mim mais embalo que despertador.
O mar é também um dos grandes entretens de quem faz estadias nas
Selvagens. Não só agracia o olhar com o seu azul profundo e a
eterna labuta das ondas, como nos oferece ali mesmo ao pé uma infinidade de cores e formas dos muitos peixes e invertebrados
marinhos que abundam nas enseadas da Selvagem Grande. Geralmente era
na Enseada das Cagarras, logo ali junto à casa da reserva, que eu
passei horas e horas de óculos de mergulho e tubo de respiração
postos, a nadar por entre as pedras a apreciar as vista submarinas,
sentindo-me como que um pássaro a planar nos seus sobre os
habitantes do mar. Por onde começar? Só quem já mergulhou em águas
tão límpidas e pristinas como as das Selvagens podem imaginar a
prodigiosa abundância de peixes. Desde as espécies nossas
conhecidas do prato, como os sargos e as garoupas, aos vários
cabozes, às tainhas, e a dezenas de outras espécies. Por todo o
lado nadavam os coloridos peixes-verdes, e os bodiões, os machos
mais cinzentos, as fêmeas vermelhas e amarelas. Um pouco mais longe
das pedras encontramos cardumes de pequenas barracudas, de
preguiçosas e de facaios, estes últimos muito engraçados com as
suas barbatanas pretas e brancas. Mais junto ao fundo nadam as
castanhetas, escuras com tons de azul quase florescente, e os
porquinhos, pequenos peixes-balão de forma curiosa, cabeçudos e com
uma lista clara lateral. Insistindo todos os dias, fui juntando novas
espécies à minha lista, incluíndo a truta-verde, a salema, o
lagarto-do-rolo, o peixe-cão, o vaso, o peixe-agulha, a boga, a
dobrada e o rocaz e por vezes dava por mim no meio de enormes
cardumes de minúsculos guelros. Lembro-me agora, que o assunto são
os peixes e me sinto quase um novo padre António Vieira, que me
esqueci de referir os peixes que pude ver a bordo do Cuanza, durante
a viagem. Não foram muitos, mas a certo ponto avistamos um cardume
de gaiados, pequenos atuns que no continente são mais conhecidos
como bonitos, mas o mais engraçado foi mesmo o peixe-voador que vi
saltar das águas junto ao barco e voar umas boas dezenas de metros
até voltar a mergulhar nas ondas.
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