segunda-feira, setembro 17, 2012

Postais das Selvagens


23 – Histórias alegres, histórias tristes

Cria de alma-negra junto à marca do seu ninho, neste caso o ninho B18.

Como já foi antes referido, os ninhos de alma-negra em estudo eram visitados diariamente. Numa primeira fase, o objectivo era saber se os ovos chegavam ao seu termo e conhecer a data da eclosão em cada ninho. Nascidas as crias, apenas uma em cada ninho como é normal nas aves marinhas, o trabalho tornava-se mais intenso. A cada dia os ninhos eram visitados, continuando a verificar se os ovos mais retardatários já tinham eclodido, anotando os ninhos em que a incubação tinha falhado, e nos ninhos com crias havia que pesar as crias. Todas as crias eram pesadas diariamente para conhecer os padrões de variação do peso, através dos quais é possível reconhecer os padrões de vinda ao ninho dos adultos e ter uma noção da quantidade ou qualidade do alimento trazido.
Algumas crias pouco variavam de peso de um dia para o seguinte, tendo provavelmente recebido uma refeição parca na noite anterior. Outras, coitadas, diminuíam de peso, sinal de que não tinham sido alimentadas e situação que, caso se repita vários dias seguidos, pode resultar na morte das crias. Felizmente, o mais habitual era detectar um saudável aumento do peso que em alguns casos podia ser de mais de 10 g num só dia, o que em pequenas criaturas que pesam à nascença entre 15 e 20 g é obra! Claro que depressa se desenhou nas nossas mentes um pequeno campeonato da engorda, em cada dia queríamos saber quem era a cria mais pesada da colónia, o verdadeiro peso-pesado.
Claro que, como já insinuei em cima e está patente no título, nem tudo corre sobre rodas para as almas-negras. Até ao dia em que escrevi estas linhas nenhuma cria tinha morrido por falta de alimento, mas tivemos já duas baixas por predação. Num caso, particularmente tétrico, encontramos a cria ainda meia-viva, a ser comida viva por lagartixas sem que o adulto, que se encontrava no ninho, fizesse alguma coisa para o evitar. Dizem-me os meus colegas que estas situações acontecem apenas no primeiro dia de vida das crias, ou porque os fluídos do ovo recém-eclodido atraem as lagartixas, ou porque o recém-nascido ainda molhado do nascimento não tem a pele suficientemente dura, ou a penugem suficientemente farta, para evitar o ataque das lagartixas. Pode também ter que ver com a ausência dos adultos, que é incomum logo após o nascimento, ou como neste caso a incapacidade de alguns adultos menos experientes para defender a cria das lagartixas. No caso das cagarras, sabe-se que cerca de 5% das crias que nascem têm este fim algo trágico, mas a verdade é que as lagartixas são omnipresente por toda a ilha, e em números absurdos, pelo que acaba por ser surpreendente estes acidentes de percurso não acontecerem mais vezes. A outra vítima de predação foi deixada sozinha no ninho logo no dia do seu nascimento, o que geralmente não augura nada de bom, tendo nós encontrado o ninho vazio no dia seguinte. Neste caso suspeitamos das gaivotas, que se sabe comerem almas-negras, tanto crias como adultos, e são os suspeitos do costume nestes casos.
Amanhã voltaremos à carga, para pesar mais crias e dar as boas-vindas às próximas a nascer, sendo que dos 88 ninhos em estudo já nasceram por agora mais de metade.

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