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Grutas
A Gruta do Chão na maré vazia, com o mar a espreitar à entrada e a luz da clarabóia natural a marcar a parede oposta. |
A geologia áspera da Selvagem Grande, fruto de grandes
erupções submarinas do passado, gerou um sem número de formações
de rocha rude, imagens de uma terra ainda pouco conformada com a sua
solidez. Entre estes atractivos estão as várias grutas que penetram
profundamente o chão pétreo da ilha. Existem várias grutas
menores, mas as principais são a Gruta do Inferno e a Gruta do
Capitão Kidd, existindo também uma outra gruta junto ao mar, na
Baía das Galinhas, a Gruta do Chão, que merece uma visita
cuidadosa.
A primeira gruta que visitei foi a gruta do Inferno,
localizada numa fenda profundamente cravada na face do promontório
encimado pelo Pico do Inferno, de que falei quando descrevi a ilha. É
possível chegar lá por terra, descendo cuidadosamente a encosta
íngreme, mas foi por mar que a visitei. Saímos de bote, navegando a
ondulação sobre os tais azuis impossíveis destas águas. Depois de
contornadas as rochas que dividem a Baía das Cagarras da Baía das
Galinhas, avançamos a direito até ao outro extremo da enseada, onde
a terra rasga o mar de forma abrupta até às alturas do Inferno... o
pico, claro. O bote encostou às rochas negras e brutas, cobertas de
cracas e outros animais de índole cortante, e nós saltamos do bote e
amarinhamos pela rocha acima, até ao ponto cerca de quinze metros
acima do nível do mar onde tem início a gruta. À entrada tem um
tufo de erva verde, como que uma despedida das cores do mundo antes
de descer ao negrume do inferno. A gruta tem secção triangular,
com as arestas laterais muito maiores que a da base, encontrando-se
lá em cima, muitos metros acima das nossas cabeças. Lá dentro,
patrulham com os olhos algumas cagarras que por ali fazem ninho, sob
os blocos tremendos que brotam das paredes como cogumelos. Pedras
vulcânicas aqui e ali entremeadas com filões calcários e manchas
brancas que talvez fossem de salitre. A gruta perfura a rocha numa
extensão de mais de cem metros, até ao seu término, sempre triangular, onde mal cabe uma pessoa. Nesse ponto, mesmo olhando
para trás, parece que nem um único fotão chega aos nossos olhos.
Não foram as luzes dos frontais e pareceria que a luz era algo que
nunca existira. Algumas rochas têm pequenos cristais brilhantes, que
refulgem sob as nossas luzes, e em alguns pontos infiltra-se água, e
o ponto alto da visita à gruta acaba mesmo por ser o triângulo
luminoso que nos abraça quando volvemos à entrada, agora tornada
saída deste reino que de infernal afinal tinha apenas o nome.
A visita seguinte às grutas voltou a ser à gruta do
Inferno. Desta feita fomos por terra e percebi finalmente porque se
chama Gruta do Inferno. A descida é um verdadeiro inferno de rochas
soltas, declives abruptos e quedas semi-controladas até à base do
precipício. Saídos do inferno, seguimos ao longo da costa, saltando
sobre grandes lages de basalto, até à Gruta do Chão. Esta gruta é
relativamente pequena, e o mar entra lá dentro durante a maré-alta,
sendo o chão de calhau rolado de basalto escuro. A gruta tem duas
entradas, ambas com o mar azul em fundo, e por cima das nossas
cabeças abre-se uma clarabóia natural que permite a entrada de
ainda mais luz, fazendo um efeito bastante bonito.
No dia seguinte fomos finalmente à mítica Gruta do
Capitão Kidd. Não se sabe ao certo de onde veio nome da gruta, mas
a verdade é que já vários lá foram escavar em busca do tesouro do
famoso pirata. Chega-se à gruta descendo a vertente da Baía das
Pardelas, do lado nordeste da ilha, chegando-se a um grande lageado
basáltico junto ao mar, cheio de pequenas poças com pequenos
peixes, lapas e ouriços-do-mar. A gruta começa numa abertura ampla
e é formada por uma câmara larga e relativamente alta, tendo um
buraco no meio por onde entra o mar. Dentro da gruta ouve-se o bater
das ondas no fundo do buraco e avistam-se os vestígios das
escavações antigas dos caçadores de tesouros. A vista mais bonita
é a da entrada vista do interior, sendo a luz como que filtrada em
tons esbranquiçados, dando à gruta um tom vagamente onírico.
Completei assim o meu périplo pelas grutas da ilha.
Agora sim sou um veterano da ilha.
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