domingo, abril 30, 2006

Elogio da Loucura

No outro dia, deambulando pela blogosfera, encontrei o blog Elogio da Loucura, que merece sem dúvida uma visita. O único defeito é ser uma concorrencia óbvia às minhas quintas-feiras culturais, por lá todos os dias são quinta-feira...

Estatistica

Hoje descobri que quase 25% das visitas à "Inevitavel Insatisfação do Ser" são feitas por mim...
Não sei se ria, não sei se chore. Agradeço aos outros 75% a fidelidade e espero que de vez enquando leiam aqui alguma coisa que valha a pena ser lida.

quinta-feira, abril 27, 2006

Correio Sentimental

Como é do conhecimento geral, o correiro sentimental da revista Maria é uma das rubricas jornalísticas mais lidas em Portugal, sendo até do meu conhecimento que alguns leitores deste blog já colaboraram com este grande bastião da cultura portuguesa.
Os maçaricos, as aves com que eu trabalho e não os aparelhos de soldagem, têm também vidas sentimentais dignas de figurarem na Maria, mas como, infelizmente, estas aves não têm ainda o dom da palavra, vou eu ajuda-las a divulgar os seus dramas amorosos:

1)
Eu cá não sou de intrigas, mas não posso mais ficar calada a ver certas e determinadas coisas que se passam nos prados das minhas redondezas. Não quero usar nomes, mas uma certa maçarica, chamar-lhe-ei Y1RWRW, tem uma relação já longa com um magnífico maçarico aqui da zona, a que chamarei Y1RRRY. Era uma alegria para o meu coração avícola ver o casalinho sempre por ali, tão amorosos que eles eram. Imagine-se o meu choque quando vejo essa lambisgóia desavergonhada da Y1RWRW enrolada com um marmanjo do prado do lado, a que chamarei aqui Y1RRRW. E ainda por cima fazem tudo às claras, sem pensarem uns momentos sequer no coitado do outro maçarico. Parece que esses dois já têm ninho e tudo, parte-me o coração ver o Y1RRRY ali sozinho, neste prado, a construir um novo ninho na esperança que apareça outra maçarica na sua vida.

Ass. vizinha anónima


Cara vizinha anónima,
De facto, os factos que relata são tristes, mas já pensou em passar mais tempo a tomar conta dos seus ovos e menos tempo a ver o que fazem os seus vizinhos? Sinceramente, tanta gralha que por aí anda a ver se saca uns ovitos saborosos e você a espiar os vizinhos. Se está assim tão preocupada, diga à sua amiga tudo o que pensa dela e vá lá confortar o pobre maçarico abandonado. Diga-lhe que ele em breve encontrará a maçarica da sua vida e que a outra lambisgóia não o merecia.


2)
Desde que começamos a por ovos, a minha esposa não me dá atenção. Ela é só: ai os ovos isto, ai os ovos aquilo. E eu é que tenho o trabalho todo, sem recompensa nenhuma. Está claro que por ovos dá trabalho, é verdade. Mas já lá vai uma semana e sou eu quem tem de os incubar, sou eu quem tem de afugentar as gaivotas e as gralhas, nem tenho um minuto de descanso. E ela o que faz? Senta-se para ali, nas cercanias do ninho, a encher-se de minhocas e a conversar com as amigas. E eu ali no ninho, sem poder sequer ir trocar umas bicadas com a rapaziada.
Hoje fartei-me e quis faze-la ver a razão. Disse-lhe que ia deixar o ninho e ela nada, ficou ali a encher a barriga. Quando voltei zanguei-me mesmo. Não me orgulho do que fiz, mas bati-lhe mesmo. Agora ela voltou ao ninho, mas não me fala. Que ei de fazer?

Ass. Maçarico arrependido


Caro Maçarico arrependido,
De facto, é comum os casais passarem por crises conjugais na época da postura. É um período muito stressante e as tenções acumuladas podem acabar mal, como foi obviamente o seu caso. Não irei por as culpas em si nem na sua parceira, ambos procederam mal. O que lhe sugiro é que tente fazer as pazes, talvez com um pedido de desculpas e a oferta de algumas dessas minhocas de que ela parece gostar tanto. Depois deveriam talvez sentar-se os dois no ninho, com calma e terem uma longa conversa sobre o futuro da vossa relação e, já agora, o futuro da vossa ninhada.



Ambas as histórias são baseadas em casos verídicos…

quarta-feira, abril 26, 2006

Non Sence

Era uma vez uma abelha Maia, um insecto muito atarefado. Mas esta abelha era uma personagem secundária, na verdade não tinha nada a ver com esta história. Era uma história que ia sendo contada, lentamente, por um avôzinho de barbas brancas que tinha muita paciência e muitos netos. Tal como todas as boas histórias, esta história tinha um tesouro, uma pedra incrivelmente precisosa, uma pedra tão precisosa que todas as joias do mundo, ao pé dela, não passavam de meros grãos de areia, pedaços de rocha amorfos e sem graça. Mas ao contrário de outras histórias, este tesouro não estava escondido, nem sequer era protegido por terriveis armadilhas, por códigos secretos criados por antiquissimas ordens de cavaleiros ou de monges. Na verdade bastava uma palavra para que a personagem principal recolhe-se o seu tesouro. Um jóia cuja valor se media em anos-luz, tal era a sua inimaginavel preciosidade.
A personagem principal conhecia o seu tesouro, sabia até que o poderia ter quando quisesse, e talvez por isso não lhe desse o valor que ele valia. Ou na verdade até dava, dava-lhe até tanto valor que temia por vezes não o merecer.
Chegou então o dia em que a personagem principal quis recolher o seu tesouro, foi então que apareceu a abelha Maia e mesmo sem o querer, esteve quase a ficar o tesouro para si. Não o fez de propósito, nem sequer sabia que ali estava algo de tão precioso, mas passou no sitio errado, à hora errada e chocou com aquela gema de beleza incomparável.
Por sorte, o insecto era mesmo muito atarefado, teve de continuar o seu caminho sem parar para melhor mirar o brilho daquela pedra. E a personagem principal pode assim ficar com o seu tesouro, com o maior prémio do Universo. Mas agora sabia finalmente o quanto ele valia, pois por um instante esteve mesmo perto de o perder.
E como é habitual nestas histórias, tanto a personagem principal como a abelha Maia viveram felizes para sempre. O tesouro continuou por ali, perdido naquela posição pouco confortavel onde vivem estes tesouros de incontável valor, e decidiu simplesmente ir dormir...

segunda-feira, abril 24, 2006

Há dias assim...

Põe-me o braço no ombro
Eu preciso de alguém
Dou-me com toda a gente
Não me dou a ninguém
Frágil
Sinto-me frágil

Faz-me um sinal qualquer
Se me vires falar demais
Eu às vezes embarco
Em conversas banais
Frágil
Sinto-me frágil

Frágil
Esta noite estou tão frágil
Frágil
Já nem consigo ser ágil

Está a saber-me mal
Este Whisky de malte
Adorava estar "in"
Mas estou-me a sentir "out"
Frágil
Sinto-me frágil

Acompanha-me a casa
Já não aguento mais
Deposita na cama
Os meus restos mortais
Frágil
Sinto-me frágil

Frágil
Esta noite estou tão frágil
Frágil
Já nem consigo ser ágil

Jorge Palma

domingo, abril 23, 2006

Quarto Escuro

Sentado no cadeirão, naquele quarto escuro, sentia o silêncio opressivo da solidão sobre os seus ombros, um novo Atlas a suportar sobre si o peso dos céus. Uma unica luz iluminava a sua face, desbotava alguma cor no seu olhar perdido num ponto vago algures entre o nada e o horizonte. Era a luz da fotografia, a luz que poderia iluminar o seu caminho até à saída daquele tunel longo e escuro. Sentiu a luz da fotogafia acariciar a sua face cansada, sentiu no ar um abraço terno como o calor de um cobertor na pele nua. Permitiu-se aquilo que a sociedade proibe aos homens, deixou as lágrimas correram salgadas pela sua face. Deixou-as correr livremente, permitiu-se o raro prazer do sabor salgado que tocou os seus lábios entreabertos. As lágrimas correram até ao fim e os olhos secaram, pequenos cristais de sal desenharam a sua tristeza em pequenos sulcos, como baixos-relevos na sua cara.
E então continuou sentado, no cadeirão, no quarto escuro, com o olhar perdido num ponto vago entre o nada e o horizonte.

sábado, abril 22, 2006

Lições

Quando somos pequenos, ainda putos, acreditamos que a vida só é complicada porque somos pequenos, porque não temos poderes numa sociedade de adultos. No fundo, acreditamos que as coisas só podem melhorar.
Depois crescemos, crescemos e aprendemos. Nada se torna mais fácil, na verdade só se torna mais dificil. Aprendemos que os sonhos são bons de sonhar, mas só com muita sorte se tornam realidade. Aprendemos também a apreciar e a recordar esses poucos sonhos que se tornam realidade, porque é por eles que a nossa vida vale a pena.
Descobrimos que tanta coisa na vida é dificil, que nunca conseguiremos nada sem lutar. Mas aprendemos também a reconhecer as coisas boas. Vamos fazendo amigos pelo caminho, eventualmente aprendemos que são eles a melhor coisa do mundo, são eles a nossa bengala de suporte quando as coisas começam a correr mal.
A vida não é uma viagem, a vida é uma lição, vivemos e aprendemos, aprendemos a tornarmo-nos melhores, aprendemos a viver melhor. E às vezes, se escutarmos a lição com atenção, aprendemos coisas extraordinárias, podemos até descobrir que, por vezes, 5 metros de distância podem ser um Universo de distancia, e outras vezes 6000 Km não são mais que um mero pormenor, um pequeno hiato entre dois pontos tão próximos...

terça-feira, abril 18, 2006

Amsterdam

No fim-de-semana passado fui a Amsterdam. Não foi a minha primeira visita à capital holandesa, mas foi a primeira em que tive realmente tempo para visitar um pouco da cidade. Claro que a visita foi muito mais divertida porque a Ju, companheira blogista, e antiga colega em infindáveis e monótonas aulas da faculdade, apareceu por lá.

Eu, a Ju, uma alemã e dois cubanos palmilhamos a cidade, visitamos o famoso museu Van Gogh, onde nos esforçamos por ver alguns quadros no meio das largas centenas de visitantes que preenchiam quase totalmente o museu, apreciamos canais e mais canais, espreitamos a estridente devassidão do red light district, conhecemos as alegrias de uma visita a uma cofee shop e jantamos um delicioso jantar num restaurante indonésio.
No domingo, já sem estes simpáticos companheiros de passeio, continuei o meu périplo por esta cidade tão sui generis, com passagns pelo Rijksmuseum, e pelo Madame Tussaud, onde tive aquele encontro violento com o George W. que o post anterior retractou. Caminhei até os pés me doerem, vi tanto da cidade como era humanamente possivel em apenas um dia e meio e agora sim posso dizer que já conheço um pedacinho de Amsterdam. É uma cidade lindíssima e pitoresca, cuja arquitectura tradicional e organizada contrasta de forma flagrante com o espirito liberal e desobediente que se sente no ar.

domingo, abril 16, 2006

Let the party begin!

Podem começar a celebrar, eu estrangulei o nosso amigo George W. Bush. Estava indeciso se esperava até a notícia saír na CNN, mas não resisto a anunciar já a boa nova e divulgar a fotografia que prova o meu acto heroico!
Agora vou refugiar-me numas grutas no Paquistão, para a CIA não me encontar. Desejem-me sorte!

quinta-feira, abril 13, 2006

Quintas-feiras Culturais XXII

Depois de um longo interregno, eis o regresso das quintas-feiras culturais. Não se preocupem, apesar de estar na Holanda a minha aposta continua a ser nos poemas escritos na língua de Camões. Da pena de um dos grandes da nossa língua portuguesa, Eugénio de Andrade, aqui ficam este poema:


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, abril 12, 2006

Guerra das Estrelas


Se querem tirar um conselho útil para a vida de um filme, fiquem com esta linha do mestre Yoda, na Guerra das Estrelas:

“You must learn patience”


Lembro-me sempre das palavras de Sidharta, no livro homónimo de Herman Hesse, “eu só sei meditar, jejuar e esperar”. E que grande feito é, saber fazer estas três coisas. Só está ao alcançe de alguns, os tais que aprenderam a complexa arte da paciência.

terça-feira, abril 11, 2006

O consulado

A minha visita a Rotterdam tinha um motivo, uma ida ao consulado português para renovar o meu passaporte. O consulado fica localizado num prédio como outro qualquer, mais uma edifício de tijolo e janelas brancas, ali à beira do rio Maas, como que a pedir uma lágrima de saudade pelo nosso rio, seja ele o Tejo, o Douro, o Mondego, o Sado, o Guadiana ou outro qualquer (todos os portugueses têm um rio a que chamam seu).
Entro, subo ao primeiro andar e… magia. Tal como a Alice ao passar para o outro lado do espelho, dou comigo noutro mundo, ali, naquele banal prédio de Roterdão, há uma passagem secreta para Portugal. Entro e o choque é imenso, é uma repartição exactamente igual às que conhecemos em Portugal, a máquina das senhas às entrada, o guichet corrido, feio, baixo demais como se tivesse sido construído sob o pressuposto de que todos os portugueses têm de ter 1,60m. Papéis espalhados pelas paredes anunciam prazos, regras laborais, certificados necessários para isto e para aquilo, recenseamento eleitoral, recenseamento militar, uma sardinhada de celebração do próximo 25 de Abril. A um canto uma televisão dá as notícias em português, os resumos da jornada, o Gabriel Alves discute a fundo os dramas e tragédias do futebol português. Atrás do guichet, três funcionários públicos, iguais a tantos outros que conhecemos dessas repartições públicas espalhadas por Portugal de norte a sul. Um de bigode, outro careca, uma senhora muito preocupada em retocar a maquiagem. Todos parecem anunciar à distância: “Não estou aqui para trabalhar, estou só aqui para queimar tempo e receber o meu ao fim do mês, o pouco que faço, faço-o contrariado”.
Só uma pessoa à minha frente, o que venho fazer é simples, permiti-me pensar que estaria despachado em meia hora… claramente estava esquecido do que é a função pública portuguesa. Para entregar duas fotos e um formulário e pagar o preço da renovação do passaporte, foi preciso ser atendido três vezes, numa epopeia que demorou 2h. Ao fim de duas horas, um aperto de mão (admito que fiquei surpreendido com o gesto simpático, os tugas longe de casa ficam mais próximos) e a garantia de que receberia o passaporte em casa dentro de 10 dias.
Ah, as saudades que eu tinha de Portugal!

segunda-feira, abril 10, 2006

Roterdão

No último fim-de-semana fui a Rotterdam.
Cheguei lá no domingo, depois de três horas de comboio pelo meio dos infindáveis prados verdes da Holanda. Saí na Centraal Station e fiquei imediatamente esmagado pelos prédios enormes que ladeiam a estação. Um imenso edifício de escritórios ultra-moderno. Segui ao longo da avenida sobranceira à estação, em busca do famoso Boijmans van Beuningen Museum. No meio da avenida, claro, um canal, ladeado de lindíssimas faias, salgueiros e choupos. Ao longo da avenida, o primeiro contacto com uma das imagens omnipresentes de Roterdão, por ali a arte anda nas ruas. Esculturas modernas, extremamente coloridas, decoravam cruzamentos onde carros e eléctricos tentavam passar pela interminável corrente de bicicletas.

Ao longo da tal avenida, à beira do canal, sucediam-se pequenas esculturas, nas fachadas, prédios antigos de aspecto tipicamente holandês polulavam de anúncios a lojas chinesas, restaurantes indonésios, bares de comida do Médio Oriente, eis a segunda impressão de Rotterdam, uma cidade pluri-cultural e cosmopolita.Chego ao museu, à entrada uma série de esculturas modernas dão as boas vindas aos visitantes, lá dentro o museu tem um ar moderno, agradável, atraente, dá vontade de passar ali uma ou duas horas a passear despreocupadamente. As obras de arte vão-se sucedendo, desde as obras antigas dos mestres holandeses às mais modernas pinturas e esculturas abstractas, mas a impressão mais forte que fica, independentemente da enorme qualidade da colecção apresentada, é que o museu está brilhantemente desenhado, foi feito para os visitantes, não é um mero depositário bafiento de velhos quadros e esculturas, como o são tantas vezes os museus, aqueles que afugentam as pessoas e as levam a crer que a arte é uma seca.
Paragem seguinte, Delfshaven, o velho porto da Companhia das Índias, agora uma zona pitoresca, cheia de pequenos cafés e bares, onde bancas vendem antiguidades, e onde cada montra é uma surpresa, aqui uma pequena galeria, ali uma livraria cheia de livros e manuscritos de alfarrabista. Mais um sítio onde apetece simplesmente deambular, andar sem destino nem pressa. Sozinho, sem pressas nem obrigações, deixem-me ir para onde os meus pés me levavam, sempre com a máquina fotográfica em punho.
Enquanto caminho por entre os bairros de Roterdão, o horizonte sempre polvilhados de arranha-céus de linhas modernas e dimensões imponentes, vai espreitando aqui e ali o imponente e omnipresente Euromast, a enorme torre de cimento que é hoje o mais alto edifício na Holanda. Desço até ao rio, o Maas corre em eterno buliço, com os constantes afazeres dos barcos do Porto de Rotterdam, um dos maiores do mundo. Entre edifícios antigos com motivos marítimos e edifícios ultra-modernos, continuam a suceder-se esculturas que dão uma cor cultural à cidade. À beira rio, os barcos tipicamente holandeses, restaurados e pintados dão cor à zona ribeirinha, ao fundo a Ponte Erasmus anima a vista com as suas formas originais. Continuo o passeio, a zona de Baalk, uma das mais destruídas pelos bombardeamentos alemães na segunda guerra mundial, está hoje cheia de edifícios modernos, as estranhas casas em forma de cubo, edicícios altíssimos com formas invulgares, o Museu Marítimo, que infelizmente não pude visitar por estar fechado.

Sigo para a zona mais central, uma série de ruas cheias de bares e lojas são o centro da animação citadina. A noite vai tomando o seu lugar no céu, à minha volta toda a diversidade da cidade salta à vista, pessoas de todas as cores e feitios passam por mim, a falar línguas que vão desde o holandês, ao árabe, desde o chinês ao indiano, desde o italiano ao português. Enfim, só mesmo indo lá para abarcar toda a impressão que a cidade deixa. Aconselho a todos uma visita…

sábado, abril 08, 2006

Sugestão de leitura

Acabei hoje de ler o “Codex 632” escrito pelo José Rodrigues dos Santos, aquele rapaz com orelhas de Dumbo que antigamente víamos com frequência na televisão, à hora de jantar. Ora não é que o homem tem jeito para a escrita. A sério, o livro é extremamente interessante e não dá tréguas ao leitor, que quer sempre ler mais um pedacinho. É a história de um historiador que mais ou menos por acaso tropeça num importantíssima descoberta sobre a História de Portugal e do mundo. A história está muito bem conseguida, com imensas informações interessantes sobre um período importante da História de Portugal, mas inclui também descrições excelentes de uma série de sítios por onde o investigador passa nas suas investigações. Um ponto muito positivo é também a parte emocional das personagens, misturando uma história de família simples (um casal com dificuldades matrimoniais e à beira de uma tragédia familiar) com a investigação sobre segredos com mais de 500 anos. A não perder!

sexta-feira, abril 07, 2006

Indecisão


O Yin e o Yang, os dois lados de uma mesma questão. Separados pelo campo de infinitos tons e cinzento onde mora a indecisão.
O Yang quer esquecer, abandonar a esperança, enterrar sentimentos debaixo de lágrimas e escombros e olhar o futuro de frente. O Yin prefere suportar a dor e continuar a sonhar o mais bonito sonho.
“O sonho comanda a vida” dizia o António Gedeão.
“Enterrem os mortos e tratem os feridos” dizia o Marquês de Pombal.
Pragmatismo e razão, fé e emoção, os dois lados de uma mesma questão.
Algures entre eles, no matizado cinzento, vive uma ferida que a cada dia se abre e se fecha, uma gota de sangue que insiste em ser vermelha, uma dor que se acomoda mas não se esquece.

quinta-feira, abril 06, 2006

A Pedra

Numa colina, não muito longe do mar, existia uma pedra. Era só mais uma pedra, como outra qualquer, ali largada pelas prodigiosas forças que moldaram o mundo desde tempos imemoriais. Mas esta era uma pedra especial, esta pedra pensava, esta pedra sentia.
Ali existira sozinha, suportando solitariamente o passar de incontáveis milénios, resistira aos ventos que lhe alisaram a superfície com o constante bombardeamento de pequenos grãos de areia, suportara as chuvas que lhe haviam sulcado profundas rugas na sua face pétrea. Conhecera frio que de tão profundo era capaz de rachar pedras, e calor tão sufocante que deixava a sua superfície em brasa, mas ali continuava, estoicamente, à espera do dia em que o seu sonho se realizasse.
A pedra tinha um problema, não sabia falar. Ou não sabia falar ou nunca encontrara nada capaz de a compreender. Durante milénios tentara falar com o vento e com a chuva, tentara gritar para chamar a atenção a outras pedras, mas nunca a ouviam, ou não a compreendiam. Depois vieram as plantas e os animais, em mil formas e cores, tentou contactar com as ervas que sobre ela lançaram raízes, tentou depois falar com os animais. Tentou coaxar para chamar a atenção aos anfíbios, rugir para atrair os répteis, piar para falar com as aves que sobre ela pousavam, mas nenhum deles a ouviu, ou não a compreenderam. Gritou tão alto quanto pode para que os ratinhos e coelhos, que sob ela construíram tocas, a ouvissem, mas nenhum lhe respondeu.
A maior angústia desta pedra era a sua extrema solidão, como poderiam estes fugazes seres um dia compreender o significado de centenas de milhões de anos de solidão? Nasceu um dia um novo bicho, chamava-se homem e, sempre muito convencido de si próprio, autoproclamava-se o mais inteligente e anunciava ter a linguagem mais avançada de todas. A pedra pensou que seria esta a criatura que a iria finalmente compreender, teria finalmente alguém com quem partilhar as suas experiências, poria um ponto final a toda aquela solidão.
Mas os homens também não a ouviram, ou não a compreenderam. Por vezes caminhavam sobre ela, ou sentavam-se nela para descansar os seus cansaços, finalmente, um dia, decidiram perfura-la para sobre ela construírem casas onde morar. Esta última humilhação foi demasiada para o espírito atormentado da pedra, nas profundezas do seu pétreo ser, algo cedeu, acabou-se o estoicismo e a pedra chorou.
Ao verem um pequeno ribeiro de água salgada nascer daquela pedra, os humanos finalmente compreenderam que havia algo de estranho com aquela pedra, a água salgada não costuma nascer das pedras. As pessoas começaram a juntar-se à volta da pedra e a falar sobre aquele fenómeno. A pedra, pouca habituada a tanta atenção, começou a interrogar-se se iria finalmente acabar o seu tormento.
Chegou então o geólogo. Um humano que anunciou alto e bom som que estava ali para desvendar todos os mistérios da pedra. Ao ouvir tais palavras, algures no pétreo âmago da pedra, uma alegria infinita explodiu. A pedra ficou tão emocionada que começou a chorar de alegria, o pequeno regato que brotava de si cresceu e inundou as duas casas mais próximas.
Perante tal tragédia, o geólogo compreendeu a urgência da sua tarefa, chamou a sua equipa, mandou trazerem picaretas e brocas e maquinaria pesada. Durante dias picaram a pedra, partiram a pedra, desfizeram-na em pedacinhos e cortaram-na em finas fatias. Cada pedacinho foi cuidadosamente levado para um laboratório, numa cidade a muitos quilómetros de distância, onde foram cortados em fatias ainda mais finas, pulverizados e dissolvidos com ácidos poderosos e analisados sob os mais potentes microscópios e espectrofotómetros. Aprenderam muitas coisas sobre a pedra, sobre a sua composição química e sobre a sua estrutura, sobre a sua idade e sobre o seu nascimento, até souberam ler nos seus cristais longos capítulos da história do planeta. Só nunca compreenderam porque razão aquela pedra chorava. Afinal, era só mais uma pedra…

quarta-feira, abril 05, 2006

Um Sorriso

Se uma imagem vale mais que mil palavras, um sorriso vale certamente mais que mil imagens. Uma das coisas que mais gosto, agora que estou a viver numa zona rural aqui na Holanda, é o facto de toda a gente cumprimentar toda a gente, mesmo não se conhecendo, umas vezes com um acenar da mão, quase sempre com um sorriso. Ora cada sorriso gera outro sorriso, que gera outro sorriso, e por aí fora. É uma boa maneira de alegrar o dia a todos.
Eu sou um apreciador de sorrisos, acho que existem poucas coisas mais bonitas. E um sorriso bonito nem tem de partir necessariamente de uma pessoa convencionalmente bonita. Por exemplo, o sorriso mais bonito que já vi (excluindo sorrisos especiais de pessoas especiais sobre os quais eu serei algo parcial) foi-me dirigido por uma velhinha para aí com os seus setenta e muitos anos, num monte ali para os lados de Castro Verde. A senhora, coitada, era bem velhinha, muito enrugada e mal tratada pelos anos, estava muito longe de ser uma pessoa esteticamente bonita. Era viúva e vivia ali sozinha, passava dias sem ver ninguém. Quando me viu aparecer ficou tão genuinamente contente por ver alguém (mesmo que fosse um marmanjo com mau aspecto a perguntar por uns pássaros quaisquer) que sorriu como se a luz do Sol nascesse dentro dela. Juro que foi realmente dos sorrisos mais bonitos que já vi. Acabei por ficar lá uma boa meia hora a conversar com ela, sobre os tais pássaros, sobre o Alentejo, sobre como as coisas têm mudado, sobre outras coisas que não mudam, sobre como é viver sem telefone nem água canalizada. Despediu-se com um “vai com cuidado meu filho que o caminho tem muitos buracos”. Ficou-me a memória daquele sorriso.

terça-feira, abril 04, 2006

No matter how cold the Winter...

No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead
Or so sang the song in a melancholic ballad
No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead
Or so he hoped, as the cold gails of Winter bit like frost in his bones
No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead
Or so he wondered, as green leaves covered the trees in Spring
No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead
Or so he cried, as the warmth of the Summer fill the world with joy
No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead
Or so he bitterly laughed, as the yellow leaves of Fall pilled under his feet
No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead
Or so he dared hope again, as another Winter stormed over his empty life
No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead
No matter how cold the Winter, there is a Spring time ahead

Tulipas e girassóis



Habitualmente, dizemos que a Holanda é o país das Túlipas. Pois tenho então uma observação bombástica a fazer: Os holandes não se parecem com túlipas, se fossem flores seriam antes girassóis!
Uma vez que o astro-rei não abonou este país com tantas horas de Sol radioso e quente como, por exemplo, Portugal, mal se vêm uns raiozitos de Sol a despontar por entre as nuvens, é ver os holandeses todos a virarem-se para o Sol, como girassóis, sequiosos de um bocadinho de radiação solar. Claro que, no fundo, o que eles queriam era um dia terem um tom de pele assim mais saudável e menos deslavado, como o meu, até porque por aqui, mesmo não sendo certamente dos portugueses mais morenos, ao pé desta gente eu pareço practicamente africano!
O meu amigo Hugo costumava chamar aos ingleses, osgas. Não vou dar uma alcunha tão peçonhenta aos holandeses, que até são gente porreira, mas não se escapam de passarem a ser os girassóis!

domingo, abril 02, 2006

Contos de Fadas

Gostava que os contos de fadas acontecessem na realidade. Que também na realidade os capuchinhos vermelhos conseguissem enganar os lobos, que também na realidade os porquinhos escapassem ao lobo mau, que também na realidade as gatas borralheira ficassem com o príncipe, que também na realidade as brancas de neve escapassem às bruxas más.
Porque na realidade o que não faltam são lobos maus, madrastas malvadas e maçãs envenenadas, mas na realidade nem sempre os finais são felizes...

Queria ter poderes divinos e, qual Christian Andersson, criar finais felizes para as fábulas de todos nós.

sábado, abril 01, 2006

et puor si muove

Dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong.
Etéreo sobre os telhados da aldeia, o sino da igreja badalou as doze horas. Numa jarra, junto a um insuspeito telefone, um molho de peónias abandonadas espalhava as suas pétalas pelo chão, num rastro alegre e adocicado que coloria suavemente a sala. Uma imagem que parecia desenhar um triste monumento à mortalidade da beleza.
Apressada como sempre, ela correu pela sala, quase voou sobre o carreiro de pétalas que se estendia a seus pés, antes de se aventurar na chuva que se fazia antecipar pelo som monótono que fustigava as janelas. Esta chuva persistente caía dos céus, como um longo banho com que poderosos deuses das tempestades tivessem decidido lavar as ruas da pequena povoação. Haviam já cinco dias que chovia incessantemente.
Já na rua, piscando os olhos devido às diminutas agulhas frias que caíam sobre a forma de gotas, olhou o céu e notou um pequeno risco azul, uma esperança, uma promessa de bonança entre todas aquelas nuvens negras. Lembrou-se de um tempo em que tal visão a teria enchido de alegria, antes do vazio lhe ter preenchido a vida. Momentaneamente perdida em recordações alegres, fechou os olhos enquanto inspirava profundamente o ar aromatizado pelo cheiro da terra molhada. Abanou a cabeça, olhou em frente, e retomou o seu caminho debaixo da chuva.