sexta-feira, outubro 04, 2013

O individualismo e as crises

Uma das melhores coisas á cerca do hábito da leitura é a forma como, por vezes, uma só frase lança a nossa mente numa direção totalmente diferente e imprevista. Foi o caso no outro dia enquanto lia o livro "This Side of Paradise" de F. Scott Fitzgerald. A certo ponto, o protagonista Amory Baines, recentemente regressado do serviço militar na primeira guerra mundial, atira esta frase durante uma discussão filosófica com um amigo seu:

"I'm not sure that the war itself had any great effect on either you or me – but it certainly ruined the old backgrounds, sort of killed individualism out of our generation."


Esta frase deixou-me a pensar longamente. Será que este individualismo destrutivo que tanto caracteriza a nossa sociedade actual se deve à falta de eventos dramáticos, como as grandes guerras, que tratem de o eliminar de cada nova geração que surge? A questão do valor das guerras e outras crises como elemento formador das mentalidades é frequentemente falado quando são discutidos os actuais líderes europeus, que não tendo vivido a guerra como os seus antecessores não compreendem que o valor da União Europeia é algo de muito mais profundo que a mera prosperidade económica, é antes a segurança de que a Europa não caíra novamente numa hecatombe como as duas guerras mundiais. Mas poderá este ser um factor mais vasto, que abranja toda uma geração?
Independentemente das guerras, catástrofes humanitárias e crises económicas e que vão assolando o globo, os povos da Europa e da América do Norte têm vivido um período de prosperidade sem precedentes nas últimas décadas. Mesmo a actual crise económica que tanto tem afectado Portugal e o sul da Europa, continua a não ser um drama sequer remotamente equivalente ao que foram por exemplo as duas guerras mundiais ou a crise económica dos anos 30, graças aos benefícios e seguraças dos estados sociais que entretanto foram instaurados na Europa. Contudo, toda este prosperidade tem também exacerbado o individualismo e o materialismo, e parece hoje cada vez mais evidente que esses dois factores estão a minar a mesma prosperidade que os poderá ter criado, destruindo o conceito de solidariedade em que assentava a União Europeia e permitindo que cada vez existam franjas maiores de elementos que uma vez excluídos pela sociedade dificilmente conseguem voltar a encontrar o seu lugar.
Será que só durante os períodos de extrema necessidade comum é que conseguimos ultrapassar o individualismo latente e perceber que a união faz a força? Será que sem sofrer em conjunto não conseguimos ver os outros como iguais? Esatremos nós intrínsecamente votados a uma eterna sucessão de ciclos de individualismo - catástrofes - união e prosperidade - regresso ao individualismo?