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Sensação de ser presa
Uma das espécies de peixe que me ia faltando avistar na
Selvagem Grande era o peixe-porco. O Cristóbal que costuma ir nadar
até mais longe já os tinha visto, pelo que um dia pedi emprestadas
umas barbatanas e decidi ir nadar até à ponta mais distante da Baía
das Cagarras.
Fui nadando, usufruindo do efeito acelerador das
barbatanas. Acho que pensei que devia ser assim que o Michael Phelps
se sente quando nada. Fui vendo as espécies habituais e vendo o
fundo a ficar cada vez mais distante. Eventualmente cheguei à parte
mais profunda da baía onde o mar deve ter já mais de vinte metros
de profundidade. Graças às águas cristalinas das Selvagens o fundo
é perfeitamente visível, mesmo a estas profundidades, consegue-se ver
cada pedra e cada peixe como se houvesse apenas ar entre nós.
Segundo dizem, o capitão Costeau quando mergulhou aqui disse serem
as águas mais cristalinas que já conhecera e em dias de boa
visibilidade pode-se ver a quarenta metros de profundidade.
Nesta zona a baía parece um imenso aquário natural, e
vindos do azul profundo lá apareceram os peixes-porco. Primeiro três
ou quatro, depois uma dúzia, duas. Eventualmente contei oitenta
destes peixes a nadar em meu redor, agitando as longas barbatanas
enquanto iam navegando em uníssono. O peixe-porco tem uns dentes
bastante afiados, que geralmente são visíveis nas suas bocas
entreabertas, e são conhecidos por darem por vezes dentadas
dolorosas, pelo que convém ter algum cuidado na sua presença.
Assim, quando segui caminho e notei que o cardume me seguia, comecei
a olhar para eles com um olhar mais suspeito. Continuei a nadar em
direção à ponta da baía e o cardume seguia o mesmo rumo que eu,
nadando por baixo de mim. Quando me aproximava mais das rochas eles
afastavam-se um pouco, pareciam preferir águas mais abertas, mas
logo que me encontrava numa zona mais funda lá estavam eles por
baixo de mim.
Chegado à ponta, e inspecionados os peixes que se viam
por lá, comecei a nadar de volta a casa. Mal mudei de direção, os
peixes-porco fizeram o mesmo. Comecei a achar que de certa forma
faziam lembrar um cardume de piranhas gigantes em tons mais
cinzentos. Fui nadando e lá seguiam eles atrás de mim. Não me
senti muito ameaçado porque sabia que se me aproximasse das pedras
eles se afastariam, mas ainda assim comecei a sentir uma pouco como
se sente uma presa. Por que razão me seguiam eles? Achariam que eu
era um grande predador e esperavam por restos da minha caçada?
Estavam meramente curiosos? Ou teriam mais curiosidade sobre qual
seria o meu sabor? Não me apetecia muito testar a terceira hipótese,
até porque uma dentada de peixe-porco não será certamente letal,
mas é bastante dolorosa e alguns dos peixes por baixo de mim tinham
facilmente meio metro de comprimento. Continuei o meu caminho, nunca
muito longe das rochas e quando cheguei a águas menos profundas eles
desistiram de me seguir. Foi espetacular ver o cardume de peixes
enormes tão de perto, mas também senti algum alívio quando os vi
pelas costas.
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