segunda-feira, dezembro 19, 2005

Óh mar salgado


O vento rasgava a superfície espelhada do mar como uma paixão violenta. Por entre as nuvens negras da tempestade, enormes massas de água elevavam-se muitos metros acima do barco, gigantes de água, com dentes de espuma e hálito salgado. O barco, uma pequena escuna de madeiras negras, parecia inevitavelmente perdida enquanto o capitão continuava corajosamente atrás da roda do leme.
Abandonado pela sua tripulação, o velho lobo-do-mar esperava o momento porque tinha ansiado toda a sua vida, destino último de um verdadeiro capitão, o dia em que acompanharia o seu barco na viagem final até ao fundo do oceano. De súbito tudo se desenrolou finalmente, a tempestade esmagou enfim a resistência do navio, com uma velocidade estonteante só comparável à lentidão com que tudo se passou na mente do capitão.
O casco quebrou, o grande mastro, que já fora um imponente carvalho numa floresta nortenha, quebrou pela raiz, sucumbindo ao assalto final das ondas. Finalmente perdido, o capitão, ele que dissera um dia que o mar era a sua única paixão e que sonhava com o dia em que se afogaria no seu leito azul como nunca se havia afogado no leito de nenhuma mulher, ele cujos olhos perscrutantes rivalizavam apenas com as rugas salgadas, profundamente sulcadas pelos ventos do alto, pensou apenas por um segundo: “Depois da tempestade, virá a bonança”.
Morreu nos braços desse mar que tanto amara, olhando ainda a superfície, onde viu um último vislumbre de claridade antes de cair para a abissal escuridão que o devorou.
Sobre o mar a tempestade amainou, as sombrias nuvens apartaram-se, permitindo às estrelas reencontrarem o seu reflexo na superfície do mar cinzento.

14 comentários:

Zorze Zorzinelis disse...

Eh lá... não fizeste nenhum copy/paste, pois não ; ) Está um belo post! Morrer só faz sentido se for assim: em águas que são as nossas!

Anónimo disse...

Já cá devia ter vindo há mais tempo.

Bonito texto, sim sr :)

Vá-se lá saber porquê, e ainda bem que nem tu, nem o Ex-Patria confirmam o cliché... mas geralmente pensa-se que as pessoas de ciências fogem de tudo quanto cheira a literário, lírico, ou subjectivo como o diabo da cruz. Devo ser eu que ando mal informada;)

Gostas de Milan Kundera, ou foi pura coincidência?

Unknown disse...

Foi pura coincidência... nem sequer conheço a obra do Milan Kundera (ando à anos para ler um livro dele, mas ainda não calhou). Já agora, qual é a coincidência? Não sei mesmo, admito a minha profunda ignorância...


Mas parece que se está a tornar um hábito falarem do Kundera quando escrevo algo mais inspirado (2 vezes!).

Unknown disse...

Quanto aos cientistas não gostarem de coisas subjectivas, acho que é mesmo um cliché sem fundamento. No fundo a ciência e a arte são duas formas diferentes de compreender o mundo à nossa volta!

Zorze Zorzinelis disse...

"No fundo a ciência e a arte são duas formas diferentes de compreender o mundo à nossa volta!"

Bela citação, sim senhor!

Anónimo disse...

Milan Kundera é o autor de «A insustentável leveza do ser» e a semelhança com o título do teu blog é incontornável=) Se não leste, é um livro um pouquito «pesado», mas bom, in my modest opinion;) Apenas por isso perguntei e tens toda a razão quanto a cientistas vs arte. Aliás... a própria palavra «cliché» encerra a ideia que que não se aplica de todo à realidade... e ainda bem.

Beijinho.

Ana Elias disse...

Pedro, isto está francamente bom...

Depois deste post, começo aqui a pensar se biologia não terá sido a vossa escolha do 9º ano, mas na verdade na faculdade formaram-se em Literatura...

Cliché ou não... a verdade é que não é assim tão comum que pessoas de ciências escrevam tão bem.

Cá entre nós Marisa e Zorze, talvez o Paulo e o Pedro sejam daqueles amigos da net que dão referências incorrectas sobre si próprios para salvaguardarem a sua verdadeira identidade. Repararam que nenhum dos dois conseguiu responder à pergunta do Formicidae sobre a mosca no descapotável?

Beijinhos

Anónimo disse...

De facto, Lótus... deveras estranho... hmmm... E depois diz que não conhece Milan Kundera para disfarçar...

Beijinhos!

Unknown disse...

Como não respondemos à pergunta? Nós respondemos, a mosca não vai para trás devido à Inercia (que deriva se não me engano de uma das leis do movimento de Newton). No descapotável a mosca pode ou não ir para trás, dependendo se a velocidade do carro (e logo o atrito do ar, cuja força se faz sentirno sentido oposto, são ou não mais fortes que a capacidade de correcção de voo da mosca. Mosca ou mais tecnicamente Musca domestica, um diptero da familia muscidae.

Querem que continue?


P.S. Gente da Impala, vi hoje à venda esse marco da vida literária de portugal que é a revista "Próxima Viagem". Agora já acredito que existe! Obviamente não comprei...

Ana Elias disse...

"Obviamente não comprei???!!!!"

Pedro, Pedro!... isto começa a tornar-se perigoso. Tu não me provoques que depois não respondo por mim. E já te tinha avisado que sei puxar cabelos enquanto dou gritinhos histéricos.

Depois deste comentário, espero que te dirijas à área de serviço mais próxima e compres essa magnífica revista ( que muito provavelmente a esta hora já esgotou!)

Unknown disse...

Não costumo ler revistas de viagens... Onde eu quero ir já eu sei, uma longa lista de sitios a visitar antes de morrer, só não tenho é "tempo" para fazer essas viagens!

Ana Elias disse...

É natural que não tenhas "tempo". Gastas "tempo" como se de papel higiénico se tratasse!

Se é que me faço entender...

Unknown disse...

Por acaso já tinha pensado em recortar com jeitinho aquelas notas todas que vêm no rolo de papel higienico!! Pode ser que pegue...

Ana Elias disse...

Não gostava nada de ter que marcar o próximo jantar na cadeia do Linhó para que pudesses estar presente... mas tu é que sabes. ;)