segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Os malefícios do ensino

Eu não percebo nada de ensino. Passei, tal como a grande maioria de nós, mais de uma década nesse pântano que é o sistema de ensino português, e conseguiria facilmente apontar uma longa lista de defeitos que tem. Mas como, tal como começei por dizer, não percebo nada de ensino, não sei quais são as soluções para esses defeitos, pelo que acho inconsequente por-me aqui a listar problemas sem sugerir soluções para eles.
Dito isto, vou limitar-me a descrever duas situações, completamente distintas, uma passada em Portugal, outra passada em Espanha. Não são sequer remotamente comparáveis, pelo que vou estar a ser injusto para o sistema português, são apenas dois casos, não necessariamente representativos do panorama geral do ensino de cada país, mas fica aqui à vossa consideração.

Um belo dia em Portugal...
Ia eu andar na rua, ali para os lados de Alfama, quando vi uma turma de miúdos do pré-escolar, em plena "visita de estudo". Enquanto os meninos e meninas andavam de mãos dadas, duas professoras iam calmamente a conversar sobre a novela da noita anterior, uma delas ainda por cima a fumar, a terceira professora tinha como tema interessante de conversa massacrar os petizes (que iam até bastante bem comportados), com irritantes criticas dirigidas, imagine-se, na terceira pessoa: "Olhe, Francisco, se você tivesse ido à casa de banho na escola, não precisava de ir agora", "Catarina, feche o casaco que está muito frio", "Despache-se António, dê mão à sua colega para nos despachar-mos". Tremo só de pensar que alguém trate por você uma criança de 4-5 anos. É que não pareciam sequer uma manada de putos betos de algum colégio fino da linha, eram criancinhas perfeitamente normais, de um qualquer infantário alfacinha. Tratar crianças por você? Deviam ter vergonha!

Um belo dia em Espanha
Fui visitar o Museu Rainha Sofia, o principal museu de arte contemporânea de Madrid. Achei o museu fantástico, mas fiquei ainda mais maravilhado quando notei uma turma de crianças, também em idade pré-escolar, que acompanhadas pelas suas professoras tinham direito a uma visita guiada que, de tão boa, me levou a acompanha-las também durante algum tempo. E garanto que aprendi umas coisas. Obviamente ninguém era tratado por você, essa praga não afecta os nuestros hermanos que preferem, como eles dizem, "tutear" toda a gente. O que as professoras (e eram professoras normais, não eram guias especializadas do museu) faziam era passear com as crianças pelo museu sem as chatear muito, deixando-as apreciar os quadros à vontade e incentivando-as a fazer tantas perguntas quantas quisessem. Depois, junto aos quadros mais importantes, sentavam a turma toda no chão, junto ao quadro, e analisavam a obra em conjunto com as crianças. Assisti a isto junto ao "Guernika" o famoso quadro de Picasso. Em vez de atirar informações à cara dos miúdos, a professora ia-lhes perguntando o que achavam deste ou daquele pormenor do quadro, encaminhando lentamente a turma para a compreenssão do seu significado. Perguntavam, por exemplo, qual era a forma dos olhos da mãe que tem um filho morto nos braços. Depois dos miúdos verificarem que tinham a forma de gotas, perguntavam por que seria que o pintor os tinha feito assim. Um dos miúdos sugeriu que talvez quisesse dizer que a mulher estava a chorar (achei brilhante da parte de uma criança de apenas 4-5 anos, que supostamente, segundo as teorias de Piaget, ainda não desenvolveu muito o raciocínio abstracto). Depois, a professora seguiu por aí fora: "Porque estaria a mulher a chorar", "O que teria acontecido à criança", etc. Tenho a certeza que, depois desta visita, aqueles miúdos não só aprenderam imenso sobre arte, como ficaram a apreciar arte, coisa que é bem mais difícil de ensinar!

Não estou aqui a tirar conclusões, estou só a descrever o que vi...

13 comentários:

Ana Elias disse...

1- Caro Pedro, a ver se a gente se entende: Tira conclusões, homem, aponta o dedo, critica, sem medo que te venham acusar de estar amargo e etecetera e tal. Todos nós temos uma função na p... da vida e a tua é essa mesmo. Nasceste uma espécie de Mafalda do Quino em versão masculina. Não te inibas. Viva a liberdade de opinião!

2- Acho que, regra geral, o ensino em Portugal é uma boa merda (será que tenho que te substituir na tua função com estas frases?!), Há excepções, mas regra geral é uma boa merda, quer nos colégios de betlóides, onde por acaso estudei, onde a hipocrisia impera, e sequer me ensinaram a pré-história porque o colégio era católico e isso punha em causa a versão Adão e Eva; quer nas Escolas Públicas, onde a maioria dos profs se sentem frustrados e esgotam a genica e a vocação para o ensino. Existem nobres excepções não no ensino, mas nalguns professores verdadeiramente heróicos.
Adiante: Acho que cabe aos pais dos alunos passarem-se da cabeça e reclamarem dia-sim, dia-sim, à medida que as situações vão surgindo, porque os pais são os 1ºs responsáveis pela educação dos filhos ( jamais entregaria o futuro do meu(s) filho(s) não mãos de outrém). E infelizmente, fruto da porra de vida que levamos, e de alguma perguicite aguda, muitos pais demitem-se com a maior das naturalidades dessa responsabilidade. O que é grave.
O ensino devia ser isso que viste em Espanha (onde também não será concerteza a regra). Desde muito pequenas, as pessoas têm capacidades extraordinárias, que se manifestam se as ouvirmos, se as ajudarmos e se lhes dermos o seu tempo próprio (cada pessoa tem um ritmo). E nós vivemos à pressa. Temos pressa em tudo, e atafulhamos os miúdos de informação.

3- Outro dia fui a um restaurante, e o dono, um tiozorro de merda, disse ao meu filho: "Olá bébé. Tá bom?"
O miúdo obviamente não lhe respondeu. 1º porque já não é bébé, e depois porque o "tá bom?" fê-lo crer que o homem estaria a falar de uma terceira pessoa, não presente na mesa.
Os "tios" são dum "provincianismo" de bradar aos céus.

Desculpa ter-me alongado, mas estas temáticas atiçam-me

Unknown disse...

Fico muito triste por saber que em Portugal ainda fazem coisas como não ensinar a pré-história por ir contra a Biblia... mto triste mesmo, pensava que isso só acontecia no Alabama, Arkansas e outros locais do 3º mundo intelectual...

Sobre o ensino prefiro não opinar, porque é mto facil generalizar e isso seria injusto para várias profs extraordinários que tive e vários amigos meus que são professores e que tenho a certeza que fazem um trabalho estupendo e também porque uma boa dose de culpa vem da sociedade e das familias, não só do sistema de ensino.
Já tive longas descussões sobre este tema e chego sempre à conclusão que é das questões mais complexas que se podem debater, porque toca profundamente no tecido de toda a nossa sociedade, está ligado a tudo, inclui tudo e tem implicações em tudo.
É talvez o tema que seria mais importante ver toda a nossa sociedade a debater, em vez de andarem a discutir o défice, os subsidios mal aplicados, as autoestradas mal programadas, a incompetencia da função publica ou o casamento homosexual... se resolvessemos o problema do ensino (se é que esse problema tem solução), acho que todos esses problemas/questões da sociedade facilmente encontrariam solução, se não hoje, pelo menos na próxima geração...

Também já me alonguei bastante, mas o tema dá mesmo pano para mangas!

Ana disse...

Há muitas coisas más no ensino português e a culpa toca a todos: desde ao governo, passando pelos pais, pelos professores e pela sociedade em geral. O problema é encontrar soluções que respondam às necessidades dos alunos e que simultaneamente satisfaçam toda a gente envolvida no processo.

Qto ao tratar os alunos na terceira pessoa ou não, tudo depende dos professores. Eu acho que terei um problema crónico de tratar sempre os alunos por tu, mesmo qdo já são pais de família. No entanto, devo dizer que tenho familiares que tratam os seus próprios filhos na terceira pessoa, mesmo qdo têm menos de 4/5 anos. Não é por serem "tios" (porque nem o são), é por acharem que assim o deve ser por uma questão de respeito mútuo. A mim sempre me fez muita confusão, mas mais importante q o tu ou você são os afectos.

Catarina disse...

A questao do "tu" ou do "você" está precisamente nos afectos e no respeito. Nao vou ao ponto de dizer que se certo pai trata a sua criança por você quer dizer que a ama menos, mas de certeza absoluta tem uma relaçao mais distante com ela. De certeza absoluta. Só se trata por você a uma pessoa que nao se conhece, com a qual nao se tem à-vontade, nunca a um ser que saiu do teu sangue e que é parte de ti. Nunca. Nao percebo como pode ser possível que uma pessoa seja "tia" o suficiente para ter esses artifícies com o próprio filho, nem sequer com os amigos mais chegados!! E lá por tratar alguém por tu nao quer dizer que nao se respeite essa pessoa, muito pelo contrário, respeita-se tanto que já a consideramos como parte da nossa família, se por acaso nao era antes. Claro que no caso dos filhos que têm que tratar os pais por você o problema nao reside neles, os pais nao lhes deram outra opçao. Mas que um pai trate a sua criança de 4-5 anos (ou de qualquer idade...) por você revela um distanciamento tao grande...

Ana disse...

Um pai/mãe pode tratar um filho/a por "tu" a vida inteira e não ser capaz de lhe dar um abraço qdo ele/a precisa.

Na vida, tal como na ciência não há certezas. Muito menos "absolutas".

Ana Elias disse...

Não me parece que a questão esteja nas palavras "tu" ou "você", nem no respeito que temos uns pelos outros (pais, filhos). Eu por exemplo, não vos conheço de lado nenhum (ana e catarina), portanto não posso considerar-vos da minha família, existe entre nós algum distanciamento natural e não tenho motivos nenhuns para vos desrespeitar (como respeito toda a gente). No entanto, é com o maior dos à-vontades que vos trato por tu. Essa questão do respeito tem a ver com convenções da sociedade(again-and-again-and-again, a tal sociedade!), e embora existam pessoas mais antigas , cujos pais ainda mais antigos lhes disseram que os mais velhos deveriam ser tratados por você (e não o inverso, ou seja os filhos, nem as crianças), aquilo de que aqui estavamos a falar era de "tios". Os famosos "tios", não vamos fingir que não existem, acham (porque são os parolos, atrasadinhos mentais) que o tratamento dos filhos por você (e de todas as crianças, e até por vezes dos animais de estimação) lhes dá um certo estatuto, uma certa importância. E é aí que tudo está errado, porque quando a importância que queremos ter passa para um plano superior aos nossos filhos, além de estarmos a ensinar-lhes desde o berço a ser hipócritas, o que é grave, não lhes temos respeito nenhum, o que é francamente triste. Quem coloca a imagem perante a sociedade à frente dos próprios filhos vale nada como ser humano.
Beijinhos!

Catarina disse...

Nem mais, Lotus azul. E se é certo que um pai/mae que trata o filho/a por "tu" pode nao lhe dar o abraço que ele/a necessita, é também certo que se o/a trata por "você" nao lhe vai dar esse abraço de maneira nenhuma. É tudo uma questao, nao de palavras, mas de relaçoes. Pelo menos no primeiro caso a relaçao entre eles é mais estreita e é bem mais provável que esse abraço exista. E apesar de que na vida tudo é uma lotaria, há algumas coisas de que se pode ter certeza "absoluta".

Filipe disse...

Meus amigos, tenho uma priminha [com cerca de 2 anitos agora] cujos pais avós e demais pessoas [excepto eu] nunca a chamaram por tu. É sempre: "A menina quer o seu brinquedo?"; "Vá, venha comer a papinha."; "Olhe o papá que está a chegar!" e coisas do género.
Acho isso estranho, muito mais estranho que ouvir os filhos tratarem os pais por você [e isso eu já considero ESTRANHO!].
Acredito que em qualquer dos casos esse tipo de tratamento presspõe sempre uma distância. POde ser maior ou menor consoante a relação familiar de cada um, mas que a distância está lá é impossível negar.

Ana disse...

Conheço casos concretos de pessoas que tratam os filhos por "você", e devo dizer que são pais e mães carinhosos, preocupados e compreensivos. Não são "tios", nem "tias", são pessoas como todos nós. A opinião que temos da vida depende das vivências de cada um. Cada um tem as suas.

Filipe disse...

[Ana]
1º - Eu também conheço muita gente e apesar de se ser mãe ou pai carinhoso, a distancia do "você" existe.
2º - O ponto 1º não exclui que haja muita gente que se trate por tu e que sejam na mesma distantes ou familias problematicas.
3º - Dizes: "A opinião que temos da vida depende das vivências de cada um. Cada um tem as suas.". Assim, se cada um tem as suas vivências, cada um tem direito a ter a sua opinião, daí que não perceba a tua insistência em contrariar os comentários de quem não partilha da tua opinião.
(Nota: Não digo que isso seja mau, apenas que estás argumentar contra ti mesma, o que não será muito lógico.)

Unknown disse...

Queria só notar: 10 comments num post que não fala nem de sexo nem de futebol!

Se toda a gente se interessa-se tanto por este assunto como voces ainda havia esperanças para a humanidade!

Ana Elias disse...

aí vão 12, que a temática assim o merece!

Anónimo disse...

para nos DESPACHARMOS e não "para nos despachar-mos".