Eu não percebo nada de ensino. Passei, tal como a grande maioria de nós, mais de uma década nesse pântano que é o sistema de ensino português, e conseguiria facilmente apontar uma longa lista de defeitos que tem. Mas como, tal como começei por dizer, não percebo nada de ensino, não sei quais são as soluções para esses defeitos, pelo que acho inconsequente por-me aqui a listar problemas sem sugerir soluções para eles.
Dito isto, vou limitar-me a descrever duas situações, completamente distintas, uma passada em Portugal, outra passada em Espanha. Não são sequer remotamente comparáveis, pelo que vou estar a ser injusto para o sistema português, são apenas dois casos, não necessariamente representativos do panorama geral do ensino de cada país, mas fica aqui à vossa consideração.
Um belo dia em Portugal...Ia eu andar na rua, ali para os lados de Alfama, quando vi uma turma de miúdos do pré-escolar, em plena "visita de estudo". Enquanto os meninos e meninas andavam de mãos dadas, duas professoras iam calmamente a conversar sobre a novela da noita anterior, uma delas ainda por cima a fumar, a terceira professora tinha como tema interessante de conversa massacrar os petizes (que iam até bastante bem comportados), com irritantes criticas dirigidas, imagine-se, na terceira pessoa: "Olhe, Francisco, se você tivesse ido à casa de banho na escola, não precisava de ir agora", "Catarina, feche o casaco que está muito frio", "Despache-se António, dê mão à sua colega para nos despachar-mos". Tremo só de pensar que alguém trate por você uma criança de 4-5 anos. É que não pareciam sequer uma manada de putos betos de algum colégio fino da linha, eram criancinhas perfeitamente normais, de um qualquer infantário alfacinha. Tratar crianças por você? Deviam ter vergonha!
Um belo dia em EspanhaFui visitar o Museu Rainha Sofia, o principal museu de arte contemporânea de Madrid. Achei o museu fantástico, mas fiquei ainda mais maravilhado quando notei uma turma de crianças, também em idade pré-escolar, que acompanhadas pelas suas professoras tinham direito a uma visita guiada que, de tão boa, me levou a acompanha-las também durante algum tempo. E garanto que aprendi umas coisas. Obviamente ninguém era tratado por você, essa praga não afecta os
nuestros hermanos que preferem, como eles dizem, "tutear" toda a gente. O que as professoras (e eram professoras normais, não eram guias especializadas do museu) faziam era passear com as crianças pelo museu sem as chatear muito, deixando-as apreciar os quadros à vontade e incentivando-as a fazer tantas perguntas quantas quisessem. Depois, junto aos quadros mais importantes, sentavam a turma toda no chão, junto ao quadro, e analisavam a obra em conjunto com as crianças. Assisti a isto junto ao "Guernika" o famoso quadro de Picasso. Em vez de atirar informações à cara dos miúdos, a professora ia-lhes perguntando o que achavam deste ou daquele pormenor do quadro, encaminhando lentamente a turma para a compreenssão do seu significado. Perguntavam, por exemplo, qual era a forma dos olhos da mãe que tem um filho morto nos braços. Depois dos miúdos verificarem que tinham a forma de gotas, perguntavam por que seria que o pintor os tinha feito assim. Um dos miúdos sugeriu que talvez quisesse dizer que a mulher estava a chorar (achei brilhante da parte de uma criança de apenas 4-5 anos, que supostamente, segundo as teorias de Piaget, ainda não desenvolveu muito o raciocínio abstracto). Depois, a professora seguiu por aí fora: "Porque estaria a mulher a chorar", "O que teria acontecido à criança", etc. Tenho a certeza que, depois desta visita, aqueles miúdos não só aprenderam imenso sobre arte, como ficaram a apreciar arte, coisa que é bem mais difícil de ensinar!
Não estou aqui a tirar conclusões, estou só a descrever o que vi...