sábado, abril 01, 2006

et puor si muove

Dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong, dong.
Etéreo sobre os telhados da aldeia, o sino da igreja badalou as doze horas. Numa jarra, junto a um insuspeito telefone, um molho de peónias abandonadas espalhava as suas pétalas pelo chão, num rastro alegre e adocicado que coloria suavemente a sala. Uma imagem que parecia desenhar um triste monumento à mortalidade da beleza.
Apressada como sempre, ela correu pela sala, quase voou sobre o carreiro de pétalas que se estendia a seus pés, antes de se aventurar na chuva que se fazia antecipar pelo som monótono que fustigava as janelas. Esta chuva persistente caía dos céus, como um longo banho com que poderosos deuses das tempestades tivessem decidido lavar as ruas da pequena povoação. Haviam já cinco dias que chovia incessantemente.
Já na rua, piscando os olhos devido às diminutas agulhas frias que caíam sobre a forma de gotas, olhou o céu e notou um pequeno risco azul, uma esperança, uma promessa de bonança entre todas aquelas nuvens negras. Lembrou-se de um tempo em que tal visão a teria enchido de alegria, antes do vazio lhe ter preenchido a vida. Momentaneamente perdida em recordações alegres, fechou os olhos enquanto inspirava profundamente o ar aromatizado pelo cheiro da terra molhada. Abanou a cabeça, olhou em frente, e retomou o seu caminho debaixo da chuva.

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