6 - Na Selvagem
Grande também se trabalha
Ninho de cagarra com o número 43, e com a cagarra "escondida com o rabo de fora". Fica o desafio de encontrar o bicho: onde está a cagarra? |
Feito o reconhecimento da ilha, chega a altura a de começar a
trabalhar. Os ninhos de cagarras e de almas-negras nos muros são
seguidos cuidadosamente para determinar quem são os pais e qual o
destino do ovo, e da eventual cria que lá vai nascer. Chegados à
beira de um ninho, identificado por um número escrito a verde,
amarelo, branco ou azul numa pedra próxima, temos de olhar para dentro do
buraco e tentar perceber se a ave que lá se encontra é já
conhecida ou não. A quando da primeira visita aos ninhos, os meus
colegas pintalgaram as aves com marcadores verdes, pelo que se a ave
tiver o peito ou a cauda esverdeada, trata-se de uma ave já
conhecida naquele ninho. Se a ave mantiver a sua plumagem imaculada
será um indivíduo novo, pelo que temos de o puxar para fora do
ninho para o identificar, caso já tenha anilha, ou para o anilhar
caso seja uma ave nova. Paro aqui um momento para ponderar um pouco
este prodígio que é a anilhagem de aves. Ainda há não muito
tempo, no século XVIII, o grande naturalista Lineu acreditava que as
andorinhas passavam o inverno enterradas no fundo dos lagos e as
lavercas dormiam o longo inverno setentrional debaixo das raízes das
plantas. Eram já bem conhecidos os padrões de aparecimento e
desaparecimento das aves, que chegavam na primavera e desapareciam no
final do verão. Contudo, poucos, se é que alguns, suspeitavam que
estas pequenas aves iam passar o inverno a centenas ou milhares de
quilómetros de distância, na outra extremidade das suas rotas
migratórias. Em Inglaterra acreditava-se que os
gansos-de-faces-brancas nasciam dos percebes no outono, o resultado
de uma imaginação prodigiosa e de uma suposta semelhança entre o
bico das aves e a concha do animal marinho, uma metamorfose
extraordinária que, no entanto, parecia mais credível aos vitorianos
do que a ideia destas aves migrarem milhares de quilómetros para se
reproduzirem em distantes fiordes e escarpas na Escandinávia,
Islândia e Gronelândia. Foram os naturalistas escandinavos que
primeiro pensaram em marcar aves com anilhas. Foi nos finais do
século XIX e os europeus, depois de explorado o mundo, começavam já
a suspeitar que as aves migravam para outras paragens distantes
quando não estavam na Europa. Começaram a colocar anilhas metálicas
com códigos de letras ou números que permitiam identificar a ave
caso esta voltasse a ser capturada mais tarde. Em poucas décadas
esta ideia permitiu ficar a conhecer a fundo as migrações de centenas e centenas de espécies, não só na Europa, mas também no
resto do mundo, para onde a ideia foi exportada. Mas hoje em dia
temos técnicas ainda mais avançadas, a que voltarei mais adiante.
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