4 - Selvagem Grande
com Donetsk no horizonte
Sala da casa da reserva na Selvagem Grande, invadida pelos marinheiros à hora do Portugal-Espanha. |
Depois
deste desvio, retomamos então a rota em direcção à Selvagem
Grande, onde chegaríamos por voltas das 14:30. A primeira impressão
foi de uma pequena montanha que se ergue do mar, de rocha escura e
rude descendo até ao mar em vertentes íngremes. Rapidamente
vislumbramos a casa da reserva, junto ao mar, numa enseada
certeiramente denominada de Enseadas das Cagarras. O nosso patrulha
fundeou a talvez uns quinhentos metros da costa e demos início ao
desembarque de pessoas e mantimentos através de botes, tendo eu
chegado à ilha na terceira viagem. Não houve muito tempo para tomar
primeiras impressões, entre a labuta da descarga do material e dos
mantimentos e as saudações e cumprimentos aos colegas que nós vínhamos render. Talvez possa dizer que a primeira impressão foram
as águas límpidas e convidativas da enseada, que se rasga em várias
pequenas baías divididas pela bruta rocha vulcânica da ilha. Ou
talvez fosse o canto das cagarras que nos dão as boas-vindas no seu
tom que a mim sempre pareceu uma mistura entre o zurrar do burro e o
coaxar das rãs. Eram às dezenas, voando sobre as nossas cabeças,
mas rapidamente me disseram que cheguei num dia fraco, que no próximo
pico dos estranhos ciclos em que estas aves vêm a terra visitar os
ninhos elas seriam muitas, muitíssimas mais nos céus. Não demorei
muito a verificar que era verdade.
Esta
rendição foi algo sui generis, pois havíamos chegado num dia
muito particular. Quis o destino que neste dia tivesse lugar o
desafio de futebol entre Portugal e Espanha, para as meias finais do
campeonato europeu de futebol. O jogo ia ser disputado em Donetsk, na
Ucrânia, a muitos milhares de quilómetros de distância, mas a
tecnologia e os satélites permitem que até aqui, no limite sul de
Portugal, algumas dezenas de concidadãos pudessem sofrer ao vivo
pelo sua selecção. Ainda durante a viagem de barco o imediato e o
comandante do Cuanza haviam indagado se seria possível vir a terra
para ver o jogo, e, sendo a nossa resposta afirmativa, lá escolheram
entre os marujos a quem seria dada a benesse de ir a terra e fomos
quase trinta ao todo, apinhados na sala de estar, a ver o jogo que
infelizmente acabou mal para as cores nacionais. Incapazes de
resolver o jogo em 120 minutos de futebol, Portugal e Espanha foram
obrigados a tirar as teimas num desempate por grandes penalidades, em
que a sorte, ou a habilidade, sorriram a nuestros hermanos.
Acabado o desafio, cuja derrota na excitação da chegada a um sitio novo e extraordinário pouco desalento me trouxe, marinheiros e civis
trataram de embarcar no barco e deixaram apenas três na ilha. Três
seres humanos mais de cem quilómetros de qualquer outro
representante da sua espécie, com a eventual excepção de algum
barco que passasse ao largo. Além de mim e do vigilante Jaques,
ficou na ilha a minha colega Maria, veterana acabada de passar três
semanas na ilha e pronta para mais três.
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