1 - Das
Selvagens...
Das
selvagens ouvira eu falar muito pouco. Fronteira sul da nação,
chamam-lhe os garbosos militares da aviação, que por lá eregeram
uma placa comemorativa num tom que soará talvez a melancolia pelos
tempos do império ultramarino.
Sabia
delas a posição, desenhada nos mapas entre a Madeira e as Canárias,
mais perto de Tenerife que de terras lusas, confirmando a sua função
de posto avançado da pátria de Camões contra a coroa espanhola.
Sentia-lhes também o sabor do nome, selvagens como os nativos de
selvas distantes. Soa a nome de terra agreste e inóspita onde o
planeta recebe com maus olhos a visita do homem. Lembra também
outras tantas palavras rudes, essoutras que o dicionário associa a
selvagem, coisas como silvestre, bravio, inabitado, inculto, não
civilizado, ermo, maninho, até mesmo malvado. Não me lembram porém
a selvajaria, essa que é bem mais comum nos domínios do homem
civilizado do que nas terras dos selvagens.
Sabia
serem pequenas ilhas, que talvez corações menos orgulhosos de
outras pátrias tivessem chamado ilhéus. A maior, tão doutamente
nomeada Selvagem Grande, é como que um pentágono de arestas mais ou
menos erodidas que mal chegam aos dois quilómetros de extensão. A
menor, sem grandes surpresas chamada Selvagem Pequena, é mais
alongada e as suas poucas centenas de metros mal se erguem sobre as
águas do oceano, de tal formas que se diz duplicar de tamanho
durante a baixa-mar. Existem ainda vários ilhéus menores, atrevo-me
a dizer ainda menores, com nomes como o Palheiro de Mar e o Palheiro
de Terra, junto à Selvagem Grande, e o Ilhéu Grande, o Ilhéu
Pequeno, o Ilhéu Redondo, o Ilhéu Comprido, os Ilhéus do Norte, o
Ilhéu Alto, o Ilhéu do Sul e o Ilhéu de Fora, todos junto à
Selvagem Pequena, sendo que a ponta sul do Ilhéu de Fora é
oficialmente o ponto mais a sul de Portugal, cruzando por poucos
metros o paralelo dos 30º Norte. Para além destes, existem ainda
vários pequenos baixios e escolhos pouco convidativos para
marinheiros distraídos.
Conhecia
sobretudo o valor destas ilhas enquanto colónias de aves marinhas,
como a cagarra que aqui tem a maior colónia do mundo com mais de
30.000 casais, a alma-negra, o calcamar, o roquinho e o pintaínho, tendo sido este
o motivo que me levou, ou antes me permitiu, visitar estes pedaços
remotos de Portugal.
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