sábado, agosto 11, 2012

Postais das Selvagens


1 - Das Selvagens...


Das selvagens ouvira eu falar muito pouco. Fronteira sul da nação, chamam-lhe os garbosos militares da aviação, que por lá eregeram uma placa comemorativa num tom que soará talvez a melancolia pelos tempos do império ultramarino.
Sabia delas a posição, desenhada nos mapas entre a Madeira e as Canárias, mais perto de Tenerife que de terras lusas, confirmando a sua função de posto avançado da pátria de Camões contra a coroa espanhola. Sentia-lhes também o sabor do nome, selvagens como os nativos de selvas distantes. Soa a nome de terra agreste e inóspita onde o planeta recebe com maus olhos a visita do homem. Lembra também outras tantas palavras rudes, essoutras que o dicionário associa a selvagem, coisas como silvestre, bravio, inabitado, inculto, não civilizado, ermo, maninho, até mesmo malvado. Não me lembram porém a selvajaria, essa que é bem mais comum nos domínios do homem civilizado do que nas terras dos selvagens.
Sabia serem pequenas ilhas, que talvez corações menos orgulhosos de outras pátrias tivessem chamado ilhéus. A maior, tão doutamente nomeada Selvagem Grande, é como que um pentágono de arestas mais ou menos erodidas que mal chegam aos dois quilómetros de extensão. A menor, sem grandes surpresas chamada Selvagem Pequena, é mais alongada e as suas poucas centenas de metros mal se erguem sobre as águas do oceano, de tal formas que se diz duplicar de tamanho durante a baixa-mar. Existem ainda vários ilhéus menores, atrevo-me a dizer ainda menores, com nomes como o Palheiro de Mar e o Palheiro de Terra, junto à Selvagem Grande, e o Ilhéu Grande, o Ilhéu Pequeno, o Ilhéu Redondo, o Ilhéu Comprido, os Ilhéus do Norte, o Ilhéu Alto, o Ilhéu do Sul e o Ilhéu de Fora, todos junto à Selvagem Pequena, sendo que a ponta sul do Ilhéu de Fora é oficialmente o ponto mais a sul de Portugal, cruzando por poucos metros o paralelo dos 30º Norte. Para além destes, existem ainda vários pequenos baixios e escolhos pouco convidativos para marinheiros distraídos.
Conhecia sobretudo o valor destas ilhas enquanto colónias de aves marinhas, como a cagarra que aqui tem a maior colónia do mundo com mais de 30.000 casais, a alma-negra, o calcamar, o roquinho e o pintaínho, tendo sido este o motivo que me levou, ou antes me permitiu, visitar estes pedaços remotos de Portugal.

Sem comentários: