quinta-feira, julho 28, 2005

Quintas-feiras Culturais V

Porque é quinta-feira e porque vivemos num mundo insano, a insanidade também é poesia

Walking Around

Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.

Pablo Neruda

8 comentários:

Ju disse...

Isso é o hino à anormalidade (no sentido de ser diferente do normal, não no sentido negativo de deficiência). Interessante.
De qq modo acho que lhe falta o génio de alguns poetas portugueses. Precisaria de ler mais para ver se é mm assim.

Zorze Zorzinelis disse...

Ju, permite-me discordar. Pablo Neruda foi, de facto, um génio incomparável - quer no desempenho político quer na escrita! E também bonita foi a sua morte poética quando, nem um mês depois do presidente Salvador Allende - um dos seus melhores amigos - ter sido morto pelo golpe de Pinochet (este apoiado pela CIA), faleceu de desgosto - isto, uma vez que as doenças de que padecia agravaram-se com tamanha tristeza. Hoje, e isso é o que acho mais engraçado, as pessoas lêem um livro da Isabel Allende e ficam a chorar baba e ranho e não sabem, sequer, quem foi o seu pai. Esse, sim, um escritor absolutamente fabuloso! Desculpem o entusiasmo, mas a verdade é fiquei a conhecer melhor a sua obra quando visitei a sua casa em Valparaíso, Chile. Uma vista formidável para um anfiteatro natural composto por 44 morros. Muito boa escolha, Pedro!!!

Ju disse...

Pois. Como não conheço bem a sua obra apenas me cingi à opinião deste poema. Acredito, porém, que se fosse escrito na língua de Pablo Neruda provavelmente teria mais efeito. Há textos que traduzidos perdem o encanto. Vou ver se leio mais obras dele.

Unknown disse...

Concordo plenamente. Na verdade, não faz sentido traduzir um poema. Ou se compromete a métrica para manter o conteúdo ou se comprome-te o conteúdo para salvar a métrica. Além disso o sentimento por de trás das palavras varia muito de língua para língua.

Vejam só os infindáveis significados da palavra "navio", com toda a sua significância histórica de temos sido um povo de marinheiro, dos descobrimentos, dos muitos que morreram no mar. Noutra lingua vai todo um outro conjunto de significados escondidos bem diferentes. Além diso à as expressões que não têm tradução directa. Ou que traduzidas perdem a sua musicalidade natural...

Zorze: já tiveste no Chile? Sacana, não mereces viver, esse era um dos meus destinos de sonho... Um dia ei de lá chegar!

Ju disse...

Desde que vi os Diários de um Motociclista, que toda a américa do Sul faz parte de uma viagem a fazer no futuro. Não sei quando vai ser, mas vai ter de ser! Nem que tenha 90 anos e dou na mesma um pinote de contente. hehehe

Unknown disse...

O titulo em portugues era "Diários de Che Guevara", mas percebi a que é que te estavas a referir. Acho que toda a gente que viu esse filme ficou a sentir exactamente o mesmo que tu!

Zorze Zorzinelis disse...

Tens mesmo de ir ao Chile; tão arrebatador como as paisagens são as pessoas e a história do país que carregam. É engraçado que, durante o voo, li o Patagonia Express, do Sepulveda. Quando cheguei lá, falei do livro com entusiasmo ao meu guia, um ex-professor - bem simpático e culto - e ele não conhecia o autor de lado nenhum.
Mas não te preocupes, pois só estive em Valparaíso, Santiago e Vina del Mar - Atacama e Patagonia ficam para a próxima. Abraço :)
Já agora, sugestão musical do Chile: Violeta Parra!!!

NoKas disse...

ai ai ai!!!!! kinvejaaaaaaaaaa.......


Eu hei-de ir ao Chile, mas é para me sujar de areia, gelar na estrada, subir montanhas. Começo na Patagónia e depois aproveito, faço a volta e acabo no vizinho peru! :p Quero ir aos andes! Quero tudo! Se um cavalheiro barbudo, grande e que saiba utilizar "fluentemente" armas de fogo e armas brancas me fizer companhia fico agradecida.



Zorzito: Talvez seja natural que o teu guia n tenha ouvido falar do sepulveda. ele vive na europa (já n sei bem onde, ele fugiu de lá na altura do regime "mau" e acho, n tenho a certeza mas acho, que ainda por aqui anda). Acho que os livros dos autores chilenos que são mais famosos por todo o mundo sao principalmente publicados fora do país, porque os seus autores estão tb eles fora. Mesmo assim alguns dos meus livros preferidos são de escritores sul americanos. :)