segunda-feira, janeiro 02, 2006

Floresta de Faias


O silêncio adensava-se na atmosfera, cobrindo o mundo como um pano do mais imaculado branco. Era este o silêncio que ele procurava, o silêncio calmo da floresta de faias que o Inverno cobrira de neve, era ali que encontraria o fio de pensamento, a reflexão que necessitava de trazer à sua vida.
Longe da sua habitual depressão, era à felicidade que encontrara que necessitava de dar rumo. Vagueara perdido, por vários dias, abandonado à sua própria euforia perdera-se no colorido vitral de emoções que o assaltara. Chegara agora a altura de se reencontrar.
Sob as faias despidas, acompanhado apenas pelo leve sussurro do vento invernal que acariciava com dedos gélidos as frágeis gemas das árvores, sentou-se sobre a neve pronto a passar tanto tempo quanto fosse necessário na procura de um ponto de equilibro naquele deserto branco. Pensou longamente na sua vida, desde a infância à velhice. Perdeu longos momentos a relembrar os muitos dias perdidos, ganhos ao lado de quem sempre fora o centro da sua vida. Afagou docemente as memórias da infância e relembrou, com tremores que poderiam ser de frio, as dores sentidas na adolescência. Reviveu num segundo a vida da juventude, as boas e más memórias perduraram demoradamente no fundo da sua mente. Matutou no seu lento maturar, viveu as ideias e ideais que sofregamente apoiou. Relembrou todos os que foram a sua vida, carimbou com o olhar interior as doçuras amargas e as amarguras doces. Sentiu-se definhar ao recapitular o lento decair do seu vigor, nos últimos anos.
Horas, dias, talvez tenham passado meses, este ente da floresta olhou profundamente o mar branco que o rodeava até achar o seu destino. Encontrara por fim o seu lugar final, ali entre flocos de neve e raízes nodosas. Foi aí que se ergueu, abriu os olhos e estendeu os braços aos céus. Sentiu a energia da terra fluir nas suas veias e artérias, experimentou um forte enrijar dos músculos e a sua pele pareceu ganhar a consistência da cortiça.
Morreu o homem, nasceu a árvore, pois fora nisso que se tornara. Uma nova faia estendia agora os seus ramos aos céus cinzentos do Inverno.

2 comentários:

Ana Elias disse...

Este é um espécie de versão campestre doutro texto, igualmente bonito, que escreveste sobre o homem do mar, que morreu no mar.

Gosto!

Unknown disse...

Eu diria antes a versão florestal.

Mas a questão central são mesmo as florestas de faias, que infelizmente não existem pelas nossas latitudes, ou pelo menos são muito raras e não se juntam em florestas.
Essas são das florestas mais bonitas que alguma vez vi... se bem que os carvalhais do Gerês e de Montesinho andam lá perto!