Um dos previlégios de ser biólogo e andar no campo a trabalhar é o contacto com as pessoas do campo. Por muito que me custe, sou um citadino, sempre vivi em cidades, maiores ou mais pequenas, e no campo acabo sempre por me deparar com uma realidade bem diferente.
Infelizmente, como sou extremamente tímido, tenho dificuldade em encetar conversas com essas pessoas, mesmo quando óbviamente estão com vontade de conversar comigo, não quero estar a empatar (um conceito bem citadino!) e acabo por reduzir as conversas ao mínimo exigido pela boa educação.
Ultimamente tenho feito um esforço para parar um pouco e conversar com as pessoas, mesmo quando tenho pressa, não só porque às vezes me dão informações muito úteis para o meu trabalho, mas também, e sobretudo, porque são quase sempre conversas muito enriquecedoras.
Em primeiro lugar, há o conceito de tempo que é totalmente diferente. Nas cidades estamos sempre cheios de pressa, mas mesmo assim acabamos por não ter tempo para nada, nem sequer (ou se calhar sobretudo) para aquilo de que realmente gostamos. No campo as pessoas parecem sempre levar as coisas nas calmas, mas mesmo assim arranjam tempo para tudo. Podem perfeitamente parar meia hora para conversar com o biólogo maluco de Lisboa que ali anda a estudar os pássaros, que isso não os impede de concluir as suas tarefas. No final do dia, não foram nem mais, nem menos produtivos do que eu, apenas usufruiram melhor do seu tempo.
Depois, há algo que sempre apreciei: o conhecimento que essas pessoas têm da Natureza. Infelizmente acho que é um dom que se está a perder, mesmo entre as pessoas do campo, muitas estão-se marimbando para os pássaros, ou para as árvores ou para o que seja. A realidade moderna dos subsídios e outros enteresses económicos reduziu o seu trabalho a mais um negócio. Mas ainda encontro algumas pessoas que de facto conhecem o meio que os rodeia, que notam os pequenos promenores e sabem as coisas de uma maneira bem diferente do meu saber nascido em livros e aulas aborrecidas.
Na semana passada, tive duas experiências muito interessantes com dois agricultores, um perto de Samora Correia e outro junto a Alcácer do Sal. O primeiro, quando lhe perguntei se tinha visto por lá maçaricos, olhou para mim com um ar perplexo e disparou um "então você não sabe que esses bichos à tarde vão todos ali para baixo" apontando para algum local vagamente a Sul de onde estavam. Não, de facto não sabia, mas quando fui explorar nessa direcção, lá estavão eles... e esta hem? É o tipo de situação em que até gosto de fazer figura de urso, a humildade que daí advém só me faz bem. É bom sermos lembrados de vez em quando que há muita gente que sabe muito mais do que nós, mesmo daquilo que conhecemos bem!
O outro senhor, veio ter comigo enquanto eu observava aves num arrozal perto de Alcácer. Meio desconfiado, perguntou o que eu andava a fazer. Depois de eu lhe explicar, ficou muito interesado no meu trabalho, disse que não fazia ideia que os maçaricos migravam e que tinha percebido finalmente porque razão eles só ali apareciam nesta altura. Perguntou-me logo se eles estavam em perigo de extinção e ficou genuinamente satisfeito quando lhe disse que para já não. Depois disse-me algo extraordinário.
Falou-me de umas aves que já tinha visto no campo dele, muito parecidas com as outras aves brancas que por lá andavam (as garças), mas ligeiramente maiores e que ele percebia que eram diferentes porque costumavam bicar o solo de uma maneira diferente das outras. Ora nesse tal campo tenho visto uma espécie relativamente rara de garças, quase idênticas às outras garças brancas, mas um pouco maiores. Se não soubermos detectar duas ou três características pouco evidentes são muito difíceis de distinguir. Nunca me tinha passado pela cabeça que elas bicassem o solo de uma maneira diferente das outras, mas tenho a certeza que eram esses os bichos que ele tinha observado e tinha percebido que eram diferentes, coisa que muitos ornitólogos já com algum treino têm dificuldade em fazer. É um tipo de conhecimento da natureza muito diferente, mais empírico, mais genuíno, que só se ganha com anos e anos de contacto com o campo.
Posso estar a fazer um doutoramento em ecologia, mas é neste pequenos nadas que realmente sinto que estou a aprender algo de novo!
1 comentário:
A minha mãe nasceu no "campo" e a vida rural é-me mto familiar... Aqueles q vivem do contacto directo com a Natureza têm algo de biólogos... conhecem os ritmos próprios da vida, têm geralmente uma capacidade de observação apurada e tecem imensas hipóteses sobre os bichos e as plantas... Sabedoria Campestre...
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