Há quem defenda que a ciência retira a beleza à Natureza, que a compreensão do funcionamento dos fenómenos naturais banaliza-os, tornando-os menos belos do que seriam aos olhos dos nossos antepassados que viviam num constante estado de maravilhamento com os "milagres" da Natureza.
Eu acho que é mais o contrário. Pode ser verdade que algumas coisas perdem algum do seu o impacto depois de sabermos o segredo que está por trás, um pouco como os truques dos mágicos. Mas, na maioria dos casos, o que acontece é que se acabam por descobrir novos detalhes, antes invisiveis para os nossos olhos, que tornam o mundo em que vivemos ainda mais maravilhoso.
Isto tudo para introduzer o tema deste post, uma teoria que os meus amigos biólogos já todos conhecem, mas o resto da população nunca ouviu provavelmente falar. Chama-se teoria endossimbiótica e é um bom exemplo de como a vida na terra é muito mais extraordinária ainda do que imaginamos.
Não querendo entrar em grandes detalhes técnicos, existem dentro de todas as nossas células umas pequenas estruturas chamadas mitocôndrias, que têm como função produzir a energia que o nosso corpo consome. Quase tudo o que comemos, assim como o oxigénio que consumimos, vão parar a estas pequenas centrais energéticas, que os transformam em moleculas de ATP, o principal combustível com que o nosso corpo trabalha ao nível celular. As mitocôndrias são pequenas maravilhas da natureza, conseguindo discretamente produzir quantidades tremendas de energia, energia que usamos para correr, saltar, carregar pesos, pensar, digerir a comida, etc. etc. etc. Onde é que entra então a tal teoria de nome complicado?
Há uns anos atrás, a Dr. Lynn Margulis descobriu que estas mitocôndrias eram originalmente bactérias, organismos que viviam livremente na Natureza. Algures no nosso passado evolutivo, as primeiras células complexas formaram uma simbiose com essas pequenas fábricas vivas, forneciam-lhes alimento e protecção em troca de quantidades enormes de energia. Com o passar do tempo, as mitocôndrias tornaram-se parte integrante das células de todos os organismos que vivem na terra, com a honrosa excepção das bactérias, suas primas. Ou seja, hoje em dia fazem parte de nós biliões e biliões de pequenos corpusculos que nascem connosco, sendo-nos transmitidos pelos nossos pais (por acaso as mitocôndrias só vêm da mãe, mas essa história fica para um outro pos) tal como tudo o resto em nós, mas que originalmente eram uma forma de vida completamente independente, na que é provavelmente a associação simbiótica mais antiga e mais bem sucedida na história da vida na Terra. É ou não é extraordinário?
Mais que isso, é lindo!
8 comentários:
Estou deslumbrada. Desconhecia por completo!!!
Depois conta o resto da história (nomeadamente essa de ser a mãe que passa a cena...)
E quem originalmente avançou com essa teoria foi Mereschkovsky, um tipo russo, no início do século XX, bem antes de Margulis! :) E, passo a publicidade, para mais informações contactar Isa, nossa ilustre colega de ensino, que está precisamente a fazer dissertação de mestrado sobre isso!
Nunca tinha ouvido falar desse Mereschkovsky... também com um nome desses... Mas fica registada a falha.
A questão de só virem da mãe não é assim tão complicada. Basicamente, tanto o óvulo como o espermatozoide têm mitocôndrias, mas o espermatozoide é uma célula com uma anatomia bastante particular. Devido à extrema adaptação para a mobilidade, tem três partes bem diferenciadas, a cabeça que inclui o nucleo com o DNA necessário para "contruir" o novo ser, a cauda que é responsável pela sua maratona até encontrar o óvulo, e uma espécie de bainha, na base da cauda, onde estão concentradas todas as mitocôndrias, a produzir a energia necessária para ele conseguir percorrer o seu percurso.
Quando finalmente encontra o óvulo, a única parte do espermatozoi de que entra dentro da menbrana do óvulo é a cabeça, introduzindo o necessário DNA que se vai juntar ao do óvulo para começar o processo de 9 meses que acaba por originar um bébé. A tal bainha, onde estavam as mitocônrias, fica do lado de fora, perde-se depois de cumprida a sua função, assim como a cauda, pelo que na primeira célula do novo embrião todas as mitocôndrias são as que faziam parte do óvulo, isto é, vêm da mãe.
Isso significa que as nossas mitocôndrias são potencialmente identicas às da nossa mãe, que eram iguais às da nossa avó, e por aí fora. Só não são exactamente iguais porque vão acontecendo sempre pequenas mutações, senão as nossas mitocôndrias seriam exactamente iguais às da primeira fêmea do primeiro organismo que inventou a reprodução sexuada!
De facto, eu sabia que só a cabeça penetrava o óvulo. O que eu não fazia a mínima ideia era que os espermatozóides tinham bainha... No liceu entretinha-me bastante nas aulas a desenhar espermatozóides nos cadernos, e nunca lhes fiz bainha ( só cabeça, e uma cauda bastante atrevida a simular movimentos nervosinhos...)- Freud explica!
Obrigada Pedro! Beijinhos.
Eu escrevi "uma espécie de bainha"! Não me parece que bainha seja o termo técnico...
Estive agora a procurar o nome correcto e a tal bainha chama-se o "corpo" da célula.
os espermatozóides são um atrofio: cabeça, cauda e corpo, por esta ordem!!!! já estou aqui a imaginar os humanos dispostos por essa ordem: cabeça, rabo e corpo: era a paparoca a entrar e a sair a alta velocidade, e um corpinho mirrado onde não chega alimento...
E isto faz-me pensar no seguinte: Já reparaste na mania que nós temos de avaliar a natureza toda à nossa semelhança? Acabei agora de fazer isso. Quase toda a gente o faz... e é de uma soberba do caraças!!!! Acho que devias um dia, se te apetecer, escrever um post sobre isto.
Isso 'e deveras curioso. Semelhante ideia s'o mesmo tirada do star wars, onde umas tais de "midichlorians" eram ind'icio de "natureza jedi" (acima de 20 000 por individuo nem o master Yoda!). Mas mesmo fascinante por existirem essas tais de mitoco'ndrias que parecem cada vez menos mito. Mas o espantoso mesmo 'e a noc'ao de simbiose entre esp'ecies e o facto de peculiar energia sublinhe-se reprodutiva lhes estar associada. Tantas meta'foras e alegorias se estendem daqui para que se fac,a perceber a ideia... se me permites tinha acabado de escrever isto... apercer'a o resto no meu blog: "We happen to be an accident in linearity, were math suddenly stops making sense but exclusively instrumental. Like a blood cell in our body which doesn't fail to deliver the oxigen molecules to proper place. Precisely what we consider to be the fulfilment of its purpose, not by accident but in order for us to survive, and not because we made it that way but because we inherited that order. What is then our individual purpose as humans for this body we call humanity? Obviously some cells have gained conscience of the bigger organ they serve, like if they knew that by not serving it that would bring their own demise."
tive mesmo que manifestar o meu "unsastifiable being" por essas tierras
Obrigado pela visita Gamma. Volta sempre!
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