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Noite sim, noite sim
A última grande tarefa que me sobrava antes do final da
estadia era a colocação dos geolocators, os pequenos aparelhos que
recolhem informação sobre as rotas migratórias das aves. Como as
almas-negras só vêm ao ninho durante a noite, este trabalho tinha
de ser feito de noite, tendo ocupado a maior parte das noites da
minha última semana na Selvagem Grande. Comecei esta tarefa a seis
dias do final, pois interessava adiar a colocação dos aparelhos
para o mais próximo possível do fim da estadia, mas esperava
conseguir despachar a tarefa em duas ou três noites. Não foi assim.
A primeira noite rendeu apenas quatro aves capturadas e
acopladas com um geolocator, o que sugeriu logo que não ia ser assim
tão fácil. A segunda noite rendeu mais quatro, mantínhamos o ritmo
da véspera, mas a terceira noite rendeu apenas três. Com um total
de vinte aparelhos para colocar, as noites começavam a faltar, pelo
que à quarta noite decidi levar mais longe o esforço de campo.
Fiquei a noite toda no planalto, visitando os ninhos de hora a hora.
Foi uma noite longa. A primeira volta foi feita pela
meia noite e trinta, na companhia da Maria e do Cristóbal, e
encontramos três aves. Era um bom começo para a noite, mas
continuavam a sobrar seis geolocators a colocar. Finda a primeira
ronda, os meus colegas voltaram a casa, pois teriam trabalho para
fazer de manhã e eu fiquei sozinho no planalto. A noite estava
espectacular, com um luar que permitia caminhar sem luzes e sem
grandes frios apesar do vento que se fazia sentir. Entre rondas
descansava um pouco num pequeno barracão onde os vigilantes guardam
material, na companhia de umas quantas osgas, e de hora a hora ia
visitar os ninhos. As estrelas estavam lindíssimas, e foi uma
experiência interessante passar uma noite sozinho num local tão
deserto, mas a noitada, que se prolongou até ás sete hora da
madrugada seguinte, só rendeu mais três aves. Apesar do esforço
brutal, tinha ainda de capturar mais três aves nas duas derradeiras
noites da estadia, mas antes tinha de recuperar o corpo da noitada...
Infelizmente, depois dos trinta uma noite em claro tem o mesmo efeito
que uma bebedeira daquelas de proporções épicas.
No dia seguinte fui-me arrastando, sem forças nos
músculos e sem actividade no cérebro, tentando poupar energia para
mais uma subida nocturna, e fazendo figas para que esta fosse a
última subida nocturna ao planalto. Não me apetecia mesmo nada ter
de subir na última noite, que será de arrumações e preparativos
para a viagem, mas não depende de mim, depende das almas-negras e
das suas vindas aos ninhos. Chegada a noite, com o corpo já mais
acordado, subimos ao planalto. Apanhamos rapidamente dois indivíduos
e parecia que íamos conseguir completar o trabalho nessa noite, mas a
última anilha de plástico, necessária para fixar o geolocator à
pata da ave, partiu-se e mais uma vez ficou trabalho para fazer para
o dia seguinte. Para compensar este azar, o universo brindou-nos com
um céu absolutamente fabuloso, pintalgado de infinitas estrelas, com
a via láctea a rasgar o céu ao meio. Um céu como nunca viram
aqueles que nunca puderam fugir à poluição luminosa do continente
Europeu, absolutamente perfeito, a que se juntaram duas estrelas
cadentes para compor o ramalhete.
No dia seguinte colocamos finalmente o último aparelho.
Missão cumprida. Faltava agora fazer as arrumações e limpezas e
esperar pela rendição.
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