Portugal pode ter muitos defeitos. Posso começar pela classe política, corrupta e falsa, pelo povo auto-reprimido que gosta de votar/amar quem lhes bate mais, pelos empresários gulosos e de vistas curtas, ou pelo negativismo como principal religião nacional.
São coisas que nos prendem, que nos impedem de atingir aquilo de que realmente somos capazes. Foi sempre assim, ao longo da história, um povo esquizofrénio e bipolar, que foi sempre o seu próprio principal inimigo, um povo que soube estar frequentemente na vanguarda, mas que voltou sempre com demasiada facilidade à existência inutil de quem não sabe defender os seus direitos.
Podia escrever parágrafos e parágrafos sobre aquilo que podia estar melhor, mas hoje quero antes falar sobre algo em que somos bons, uma área que se mantém fértil em agradável novidades e em nomes feitos que merecem a devida reverência. Estou a falar da música nacional.
A música portuguesa é (felizmente) muito mais do que fado. Aliás, o fado não é sequer uma das suas vertentes mais interessantes, é antes, na minha opinião, uma faceta da música portuguesa que só atingiu o relevo que tem hoje através da sua cuidada glorificação pelo regime fascista de Salazar. Porque a música portuguesa é muito mais do que o lamento de coitadinhos do fadista, essa expressão tão pobre de definhamento nacional tão ao jeito das necessidades de governação e de exploração do povo da direita. Não quero com isto dizer que todo o fado é mau, muito pelo contrário. Tivemos e temos grandes fadistas e o fado teve um papel importantíssimo na divulgação de alguns dos nossos maiores poetas. Mas a música portuguesa é também alegria, é contestação, é animação.
Artistas como Sérgio Godinho ou Zeca Afonso dificilmente encontram rival mesmo além fronteiras. Não só a sua música, mas a sua atitude e rectidão foram e são exemplos para gerações inteiras. O rock português é riquíssimo em artistas que não se limitaram a copiar o que se fazia lá fora, e o pop nacional foi sendo polvilhado por nomes que, caso tivessem nascido noutro país ou cantado noutras línguas, teriam sido relevantes a nível mundial. Estou a falar de gente como Rui Veloso ou os Xutos e Pontapés, mas também dos Trovante, dos UHF, do António Variações, e mais recentemente dos Ornatos violetas ou dos Clã. A música portuguêsa acompanhou a evolução lá de fora e surgiu o hip-hop, com os Da Weasel a fazerem uma intrepretação muito portuguesa e interessante do género. A vertente mais africana do nosso passado colonial originou fenómenos com algum sucesso internacional como Sara Tavares ou os Buraka Som Sistema. Mais que todos estes, quem me motivou a escrever este texto foram algumas bandas recentes que me têm impressionado e muito pela positiva. Bandas que inovam mas se mantém fieis ao estilo muito particular dos bons músicos nacionais. Estou a falar sobretudo dos Deolinda, dos Virgem Suta, dos Diabo na Cruz e dos OrqueStrada. Existem outros mais, mas este quatro são os que mais me têm agradado ao ouvido ultimamente.
Finalmente, gostaria só de notar que esses programas televisivos de talentos, que parecem aparecer como cogumelos numa floresta húmida, pouco ou nada têm trazido de bom ao panorama musical português. São antes fábricas de falsos talentos, que atingem a fama por aparecerem na TV, muito antes de terem demonstrado o que quer que seja em termos musicais. Distraem o público daqueles que realmente merecem, e podem estar a criar toda uma geração de ouvintes de música que não sabe apreciar qualidade por estarem sobre constatemente bombardeio de música de fraquíssima qualidade que lhes é acenada como sendo boa...
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