Perdido numa luta que não conseguia vencer, ele sentiu um vazio maior que o espaço preencher-lhe o peito desnudo. Abriu a boca para gritar, mas dos pulmões esvaziados de ar, o único som que saiu foi o de um sorriso.
Tentou espernear, tentou lutar, mas acabou por reconhecer o inevitável. Perdera aquela batalha. Mas lá no fundo, bem no fundo, o coração continuou a bater vivo. Guardou num saco as dores da alma, respirou fundo e continuou a batalhar, até as forças o abandonarem, mantendo sempre na mente distante a fugaz esperança de que reforços o salvassem.
Mais um blog despretensioso que pretende deixar mais algumas ideias à solta na net. Nunca se sabe quem as irá apanhar...
terça-feira, janeiro 31, 2006
segunda-feira, janeiro 30, 2006
Neve, mas qual neve?
E eis que se fez neve, ao vigésimo-nono dia, do primeiro mês, do segundo-milésimo sexto ano. A histeria dominou o país, pessoas aos saltos, a correr para a neve, a brincar com a neve, a telefonar a todos os amigos... Já em minha casa: caíram meia duzia de flocos durante uns dois minutos, depois, quando pensei que começaria a nevar mais a sério, como aconteceu no resto de Lisboa, parou, e voltou a chuva.
Já me estou a imaginar daqui cinquenta anos, quando voltar a nevar em Lisboa, os meus netos vão-me perguntar se me lembro de alguma vez ter nevado em Lisboa e eu vou ter de responder que sim, que me lembro, mas que não vi! E eles vão olhar para mim com um ar desconfiado e pensar, coitado do avôzinho, está a ficar louco, deve ser a aterosclerose...
Já me estou a imaginar daqui cinquenta anos, quando voltar a nevar em Lisboa, os meus netos vão-me perguntar se me lembro de alguma vez ter nevado em Lisboa e eu vou ter de responder que sim, que me lembro, mas que não vi! E eles vão olhar para mim com um ar desconfiado e pensar, coitado do avôzinho, está a ficar louco, deve ser a aterosclerose...
sábado, janeiro 28, 2006
Deus não joga aos dados
"click"
O barril vazio da pistola agoirenta adiou por momentos o resultado daquele jogo de ruleta russa. Deus, impavido e sereno, passou a arma ao diabo e disse: "Vá mafarrico, agora é a tua vez".
O diabo pegou no revólver, poliu-o lustrosamente, agraciado como a subtil perfeição daquela sua criação, e perguntou: "De certeza que este jogo não está viciado?".
"click"
Sem que o mais infimo tremor fizesse suspeitar qualquer ponta de dúvida no seu ser, passou a arma a deus e disse: "Vamos, despacha-te quero resolver isto depressa"
Deus pegou na arma, apontou-a à sua têmpora e disse antes de disparar: "E, no entanto, foi um jogo tão divertido que jogamos nestes ultimos milhões de anos."
"click"
Com aquele ar benevolente e paternalista que sabia tanto irritar o diabo, passou-lhe novamente a arma e disse: "Tu sabes que era desnecessário este desempate, sabes bem que fui em quem ganhou."
O diabo, antes de encaixar a arma sob o maxilar inferior, respondeu: "Ganhaste? Mas foste tu a inventar as regras e mesmo assim não conseguiste mais pontos do que eu."
"click"
Passou a arma a deus, comentando com alguma confiança na vitória: "Não sabes que todos os diabos têm sorte?"
Deus voltou a apontar-se a arma, dizendo: "Mesmo com toda essa sorte não conseguiste lixar a vida a mais humanos do que eu!"
"click"
Um breve relançe de um sorriso aclareou a face de deus, enquanto passou ao diabo a arma que o mataria. Disse: "Vá mata-te lá, ganhei eu"
O diabo, perfeitamente indiferente ao seu destino, disse antes de disparar: "Sacana, não acredito que vou perder por aquele detalhe técnico de lixares a vida ao teu próprio filho ter-te valido pontos extra."
"Bang"
O cadáver do príncipe das trevas tombou aos pés de deus, que abriu um sorriso e disse: "Idiota! Não sabias que deus não joga aos dados?" Pegou na arma vazia que antes escondera sob o seu manto de luz e saíu da sala a rir.
E com este pequeno texto acho que garanti definitivamente o meu lugarzito no Inferno... O que vale é que eu já era agnostico, portanto já ia arder no Inferno de qualquer forma.
O barril vazio da pistola agoirenta adiou por momentos o resultado daquele jogo de ruleta russa. Deus, impavido e sereno, passou a arma ao diabo e disse: "Vá mafarrico, agora é a tua vez".
O diabo pegou no revólver, poliu-o lustrosamente, agraciado como a subtil perfeição daquela sua criação, e perguntou: "De certeza que este jogo não está viciado?".
"click"
Sem que o mais infimo tremor fizesse suspeitar qualquer ponta de dúvida no seu ser, passou a arma a deus e disse: "Vamos, despacha-te quero resolver isto depressa"
Deus pegou na arma, apontou-a à sua têmpora e disse antes de disparar: "E, no entanto, foi um jogo tão divertido que jogamos nestes ultimos milhões de anos."
"click"
Com aquele ar benevolente e paternalista que sabia tanto irritar o diabo, passou-lhe novamente a arma e disse: "Tu sabes que era desnecessário este desempate, sabes bem que fui em quem ganhou."
O diabo, antes de encaixar a arma sob o maxilar inferior, respondeu: "Ganhaste? Mas foste tu a inventar as regras e mesmo assim não conseguiste mais pontos do que eu."
"click"
Passou a arma a deus, comentando com alguma confiança na vitória: "Não sabes que todos os diabos têm sorte?"
Deus voltou a apontar-se a arma, dizendo: "Mesmo com toda essa sorte não conseguiste lixar a vida a mais humanos do que eu!"
"click"
Um breve relançe de um sorriso aclareou a face de deus, enquanto passou ao diabo a arma que o mataria. Disse: "Vá mata-te lá, ganhei eu"
O diabo, perfeitamente indiferente ao seu destino, disse antes de disparar: "Sacana, não acredito que vou perder por aquele detalhe técnico de lixares a vida ao teu próprio filho ter-te valido pontos extra."
"Bang"
O cadáver do príncipe das trevas tombou aos pés de deus, que abriu um sorriso e disse: "Idiota! Não sabias que deus não joga aos dados?" Pegou na arma vazia que antes escondera sob o seu manto de luz e saíu da sala a rir.
E com este pequeno texto acho que garanti definitivamente o meu lugarzito no Inferno... O que vale é que eu já era agnostico, portanto já ia arder no Inferno de qualquer forma.
sexta-feira, janeiro 27, 2006
O dia em que a minha rua se fez rio
Ontem acordei com um estrondo. Um ruído vagamente estranho, vagamente familiar tomou lentamente conta de mim enquanto os últimos fiapos dos sonhos davam lugar à dura realidade. Quando finalmente acordei, percebi que o ruído não era normal e fui à janela ver o que se passava. Qual não foi a minha surpresa quando me deparei com um cenário perfeitamente surreal, a rua, junto à minha janela, era agora um rio de águas bravas que arrastava pedras, caixotes do lixo e até automóveis. Sim, foi aquilo que todos viram na televisão, a conduta que rebentou ao pé da Feira da Ladra, mas eu vi tudo ao vivo e a cores, aliás os dois carros que se viam na televisão, caídos dentro da cratera aberta pelas águas, estavam encostados à fachada do meu prédio, escassos metros abaixo da minha janela.
Consegui sair de casa sem molhar muito os pés, porque a porta do meu prédio dá para outra rua, e não resisti a juntar-me aos transeuntes que apreciavam o triste espectáculo. Milhares de litros de água fluiam junto ao Hospital da Marinha como se de um rio torrencial se tratasse, viravam à esquerda perante a oposição do meu prédio e desciam a Calçada do Cardeal, deixando um rasto de destruição à sua passagem. A EPAL demorou mais de uma hora a fechar a conduta e os bombeiros que afluiram ao local, coitados, nada podiam fazer contra a força das águas.
No final, dezenas de carros danificados (por sorte ontem tinha estacionado o carro na outra rua, mas já muitas vezes o deixei no sítio exacto onde se abriu a cratera maior), casas inundadas, danos enormes no Hospital da Marinha e uma pequena multidão de velhinhas histéricas e aos gritos.
Já não me posso queixar que nunca acontece nada de emocionante nesta cidade!
Consegui sair de casa sem molhar muito os pés, porque a porta do meu prédio dá para outra rua, e não resisti a juntar-me aos transeuntes que apreciavam o triste espectáculo. Milhares de litros de água fluiam junto ao Hospital da Marinha como se de um rio torrencial se tratasse, viravam à esquerda perante a oposição do meu prédio e desciam a Calçada do Cardeal, deixando um rasto de destruição à sua passagem. A EPAL demorou mais de uma hora a fechar a conduta e os bombeiros que afluiram ao local, coitados, nada podiam fazer contra a força das águas.
No final, dezenas de carros danificados (por sorte ontem tinha estacionado o carro na outra rua, mas já muitas vezes o deixei no sítio exacto onde se abriu a cratera maior), casas inundadas, danos enormes no Hospital da Marinha e uma pequena multidão de velhinhas histéricas e aos gritos.
Já não me posso queixar que nunca acontece nada de emocionante nesta cidade!
quarta-feira, janeiro 25, 2006
Quintas-feiras Culturais XIX
Fica já aqui para amanhã a décima-nona quinta feira cultural. Tinha tudo a postos para por aqui hoje o "Poema do Silêncio" do José Régio, mas mudei de ideias porque me lwembrei hoje que existe uma música portuguesa que deveria ter sido, desde o início, o hino deste blog. Aqui fica, nas palavras do por vezes genial e muitas vezes incompreendido, o original insatisfeito António Variações:
Estou Além
Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P’ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão
Vou continuar a procurar a quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só
Quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P’ra outro lugar
Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
António Variações
Estou Além
Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P’ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão
Vou continuar a procurar a quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só
Quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P’ra outro lugar
Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
António Variações
I have the Blues
O único canal de televisão português que ainda vale a pena ir vendo é sem dúvida a 2. Entre as pérolas que por lá se encontram, tem aparecido um documentário genial, realizado pelo Martin Scorcese, sobre a história dos Blues, as verdadeiras raízes negras (negras na cor da pele, não com nenhuma conotação negativa!) da música americana.
Infelizmente, foram poucos os episódios que consegui ver, mas a qualidade da banda sonora ficou-me no ouvido e tratei de a arranjar via e-mule. Simplesmente genial, alguns dos grandes nomes da música do século XX, a puxarem pelas vozes e pelos instrumentos, naquele estilo que longe de ser lamuriante, antes incita a rebelião contra a injustiça e a tristeza. Sim, porque chorar às vezes é bom e é isso mesmo que são os blues: A vida é uma merda, mas não vamos baixar os braços, ao menos vamos aproveitar isso para fazer boa música!
Desde John Lee Hocker, Muddy Waters, Ray Charles ou B.B. King, a Bonnie Raitt, Janis Joplin, ou Jimi Hendrix, passando por uma lista razoável de nomes que, tenho de confessar, para mim são ilustres desconhecidos, é uma colectânea genial.
E por favor, não venham com aquela conversa de que o Fado são os Blues portugueses. Não tenho nada contra o Fado, até acho que, quando bem interpretado, é um estilo bastante interessante, mas comparar o Fado aos Blues é como comparar um Fiat a um Ferrari.
Infelizmente, foram poucos os episódios que consegui ver, mas a qualidade da banda sonora ficou-me no ouvido e tratei de a arranjar via e-mule. Simplesmente genial, alguns dos grandes nomes da música do século XX, a puxarem pelas vozes e pelos instrumentos, naquele estilo que longe de ser lamuriante, antes incita a rebelião contra a injustiça e a tristeza. Sim, porque chorar às vezes é bom e é isso mesmo que são os blues: A vida é uma merda, mas não vamos baixar os braços, ao menos vamos aproveitar isso para fazer boa música!
Desde John Lee Hocker, Muddy Waters, Ray Charles ou B.B. King, a Bonnie Raitt, Janis Joplin, ou Jimi Hendrix, passando por uma lista razoável de nomes que, tenho de confessar, para mim são ilustres desconhecidos, é uma colectânea genial.
E por favor, não venham com aquela conversa de que o Fado são os Blues portugueses. Não tenho nada contra o Fado, até acho que, quando bem interpretado, é um estilo bastante interessante, mas comparar o Fado aos Blues é como comparar um Fiat a um Ferrari.
Cavaco
Estavam à espera de um longo post a desancar no Cavaco? Desenganem-se, mesmo quando isso custa, acredito que a democracia é o melhor sistema político. Como dizia o Churchill, é um mau sistema, mas é o melhor que nós temos! Tenho pena que a população portuguesa não seja mais informada, que não tenha um nível de instrução um pouco mais elevado para saber ler nas entrelinhas, mas a maioria falou, está falado. Venha o senhor presidente Cavaco Silva.
Agora uma coisa tenho que dizer. Daqui a dois ou três anos, de cada vez que ouvir as pessoas a queixarem-se que a vida está má só vou ter uma coisa para lhes dizer: “A vida está má? É bem feito! Ao menos eu não votei no Sócrates nem no Cavaco”. E pelo menos daí tenho a consciência tranquila.
Agora uma coisa tenho que dizer. Daqui a dois ou três anos, de cada vez que ouvir as pessoas a queixarem-se que a vida está má só vou ter uma coisa para lhes dizer: “A vida está má? É bem feito! Ao menos eu não votei no Sócrates nem no Cavaco”. E pelo menos daí tenho a consciência tranquila.
domingo, janeiro 22, 2006
Papercut - o Golpe do Papel
As gotas de sangue rolaram sobre a folha de papel, lágrimas salgadas correndo sobre uma face, branca como a luz da última manhã do Inverno. A viva cor rubra das gotas perdeu a sua fogacidade, enquanto o líquido se misturou lentamente com a suave textura do papel. Estranhos padrões dispersos mesclavam agora pureza da folha em floreados de mil tons castanhos e avermelhados.
Ela olhou para o dedo. "Merda, um golpe de papel" pensou ela, enquanto olhava para o ínfimo corte no dedo indicador de onde brotava o sangue. Lambeu o dedo num gesto que poderia ser sensual, não fora o seu nítido olhar de revolta. Odiava sangue! Procurando estancar a ferida com a pressão firme do seu polegar, retomou o seu trabalho, olhando para a longa lista de nomes que se espalhava por várias dezenas de folhas, num alongado rosário de vidas que se cruzariam, apenas neste dia, naquela sala.
Ele entrou, solene como sempre achara que devia ser naqueles momentos. Dirigiu-se para a mesa, não sem alguma avidez mal contida, e entregou-lhe um pequeno rectangulo de papel, aquele que para o mundo era a prova última da sua existência. Depois da curta troca de olhares, quase que em segredo, recebeu aquela que seria a sua contra-senha, uma decisão que só ele poderia tomar. Em segredo, escondido por trás de um velho biombo empoeirado e bafiento, espalhou a sua sabedoria e pensar numa pequena cruz de tinta, dobrou a folha em quatro e foi votar.
Ela olhou para o dedo. "Merda, um golpe de papel" pensou ela, enquanto olhava para o ínfimo corte no dedo indicador de onde brotava o sangue. Lambeu o dedo num gesto que poderia ser sensual, não fora o seu nítido olhar de revolta. Odiava sangue! Procurando estancar a ferida com a pressão firme do seu polegar, retomou o seu trabalho, olhando para a longa lista de nomes que se espalhava por várias dezenas de folhas, num alongado rosário de vidas que se cruzariam, apenas neste dia, naquela sala.
Ele entrou, solene como sempre achara que devia ser naqueles momentos. Dirigiu-se para a mesa, não sem alguma avidez mal contida, e entregou-lhe um pequeno rectangulo de papel, aquele que para o mundo era a prova última da sua existência. Depois da curta troca de olhares, quase que em segredo, recebeu aquela que seria a sua contra-senha, uma decisão que só ele poderia tomar. Em segredo, escondido por trás de um velho biombo empoeirado e bafiento, espalhou a sua sabedoria e pensar numa pequena cruz de tinta, dobrou a folha em quatro e foi votar.
Mellon Collie (and The Infinite Sadness)
Nãe, este não é um post sobre esse grande album do Billy Corgan e companhia. Eu é que estou melancólico...
Já lá vão quase cinco anos, desde a minha bem-aventurada experiência africana, um mês no Uganda a fazer um curso de Ecologia Tropical, uma experiência para recordar a vida inteira, sobretudo o contacto com estudantes e professores de dezasete países diferentes: Uganda, Quénia, Madagáscar, Alemanha, Inglaterra, Irlanda, Camarões, Gana, Etiópia, Austria, Sudão, Argentina, África do Sul, Estados Unidos, Suécia, Holanda e Portugal. Durante um mês formamos ali umas pequenas Nações Unidas, mas estas funcionavam, misturando a aprendizagem de alguns conceitos e técnicas de ecologia com longas conversas sobre as nossas diferentes origens culturais e muito, muito convívio.
Não sei porque, mas hoje deu-me para a melancolia e passei a manhã a olhar para as (muitas) fotos desse mês tão marcante e deixo aqui uma, a foto de equipa do dia em que jogamos um jogo de futebol contra a equipa da aldeia lá do sítio. Mesmo sendo vergonhosamente roubados pelo árbitro e sendo a nossa equipa mista, contra os 11 marmanjos de lá, conseguimos um impressionante empate 2-2.
Não sei porque, mas hoje deu-me para a melancolia e passei a manhã a olhar para as (muitas) fotos desse mês tão marcante e deixo aqui uma, a foto de equipa do dia em que jogamos um jogo de futebol contra a equipa da aldeia lá do sítio. Mesmo sendo vergonhosamente roubados pelo árbitro e sendo a nossa equipa mista, contra os 11 marmanjos de lá, conseguimos um impressionante empate 2-2.
Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Vera, Mark, Pedro (Eu), Pete, Lesi, Ashenafi, Dan, Emmanuel, Churchill, Ed, Marteen, Tom, Alexandra, Phillista, Sarah, Jeremy (Dr. J.), Saholy, Rouben, Sylvia, Amber e Ken.
sábado, janeiro 21, 2006
Do tempo, do átomo e da célula
Entre-dentes o tempo suspirou, tanto tempo perdido a lembrar. Na velha idade, das rochas e do mar, o tempo suspirou sem tempo para cantar. Sob a luz do Sol, provecta e terna, o tempo suspirou sem tempo para dançar. Arrependido, perdido em si sem tempo para acordar, o tempo suspirou e perdeu a vez de jogar.
Num lugar distante, longe no tempo, longe no espaço, um átomo chorou a sua força nuclear. Um átomo sozinho, sem companhia, sem vida e sem par. Perdido que estava num éter sem fim, chorou a sua vida, chorou o seu lugar. Manietado por leis e por regras, ali abandonado à beira do mar, chorou o seu fado, chorou o seu pesar.
Ali numa poça, tão cheia de vida, a célula cantou no seu jeito invulgar. Perdida em danças, rodeada de paz, cantou alegrias, feliz por cantar. Dormindo sozinha, sob a luz das estrelas, sonhou com a vida, acordou a cantar. Entre-dentes o tempo sussurrou-lhe ao ouvido, ela olhou para o lado, não viu o átomo passar.
Num lugar distante, longe no tempo, longe no espaço, um átomo chorou a sua força nuclear. Um átomo sozinho, sem companhia, sem vida e sem par. Perdido que estava num éter sem fim, chorou a sua vida, chorou o seu lugar. Manietado por leis e por regras, ali abandonado à beira do mar, chorou o seu fado, chorou o seu pesar.
Ali numa poça, tão cheia de vida, a célula cantou no seu jeito invulgar. Perdida em danças, rodeada de paz, cantou alegrias, feliz por cantar. Dormindo sozinha, sob a luz das estrelas, sonhou com a vida, acordou a cantar. Entre-dentes o tempo sussurrou-lhe ao ouvido, ela olhou para o lado, não viu o átomo passar.
quinta-feira, janeiro 19, 2006
Quintas-feiras Culturais XVIII
A Esperança
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar, descansa!
Augusto dos Anjos
Início da Vida
O momento em que se inicia a vida à muito é tema de debate, tanto no campo científico como religioso ou filosófico. Propostas são muitas: no momento do nascimento, no momento da concepção, quando o bebé respira a primeira golfada de ar, quando a mãe sente pela primeira vez o feto a mexer-se, quando o coração do embrião começa a bater, quando se inicia a actividade cerebral, etc.
Em proponho outra hipótese, um pouco mais tardia. A vida começa uns tempos depois do parto (não tenho experiência suficiente com bebés para saber quanto), quando finalmente temos força suficiente para erguer a cabeça por nós próprios. É que se virmos bem a coisa, o resto da vida, daí para a frente, é uma luta para a manter erguida.
Em proponho outra hipótese, um pouco mais tardia. A vida começa uns tempos depois do parto (não tenho experiência suficiente com bebés para saber quanto), quando finalmente temos força suficiente para erguer a cabeça por nós próprios. É que se virmos bem a coisa, o resto da vida, daí para a frente, é uma luta para a manter erguida.
Xulos!!
Quando comprei o meu carro, em 2002, lembro-me que na primeira vez que pus gasolina custou 0.86 euros o litro, hoje custa 1.25 euros. Isto significa que em apenas 4 anos (na verdade só 3 e meio, pois comprei o carro em Julho de 2002), a gasolina subiu 39 cêntimos!
Ou seja, em menos de quatro anos houve uma subida de 45%. Os cálculos não são assim tão simples, mas pode-se dizer que a gasolina subiu em média 11% ao ano. Ora todos sabemos que os aumentos da gasolina influenciam tudo, pois todos os produtos são distribuídos por transportadoras que se baseiam nos transportes rodoviários. Os aumentos da gasolina vão-se inevitavelmente reflectir nos preços de tudo.
No entanto, os vários governos e a corja de economistas e afins que por lá têm tachos, incluindo esse que vai provavelmente ser o nosso próximo presidente, andam há anos a impingir-nos que a inflação em Portugal anda pelos 2-3% ao ano. É andar a gozar com o pessoal! Depois admiramo-nos que o dinheiro nem chegue a aquecer o seu lugar na carteira…
Agora digam-me, é possível que nenhum desses filhos da mãe desses economistas tenha feito este cálculo perfeitamente básico e infantil que aqui fiz? Porra, não me lixem, vão roubar para a estrada!
Bando de xulos!
quarta-feira, janeiro 18, 2006
Rádio paranormal
Sabem aquela sensação de ouvir uma música e sentir que aquela música é uma descrição exacta do que se sentimos naquele momento? Só de si já é algo estranha. Agora imaginem que isso vos acontece e quando acabam de ouvir a música mudam de estação de rádio e voilá... outra vez a mesma música desde o início! Spooky!
Acabou de me acontecer. E não, não vou dizer qual foi a música!
Acabou de me acontecer. E não, não vou dizer qual foi a música!
terça-feira, janeiro 17, 2006
O génio da lâmpada
Era o último dia do Verão. O Sol quente de Setembro começava a dar lugar ao vento fresco do Outono, que vinha expulsar as folhas dos seus ramos.
Eles eram sete. Sete desconhecidos que se haviam encontrado na praia em redor de um curioso objecto, uma lâmpada mágica. Depois de alguma discussão, decidiram esfregar a lâmpada, na esperança que dela surgisse o proverbial génio com os seus desejos.
Para surpresa geral, saíu realmente um génio da lâmpada, encolto numa nuvem de fumo, vestido com trajes mouriscos e um turbante. Mas saíu notou, com uma voz profunda e gutural:
- Ena tantos! Assim sendo só posso dar um desejo a cada um. Digam lá meus amigos, qual era a coisa que realmente vos faria felizes?
Chegou-se à frente um homem de meia idade, com excesso de peso e falta de cabelo na nuca:
- Eu quero dinheiro, muito dinheiro para comprar tudo o que desejo.
- Seja. - respondeu o génio - vai ao multibanco mais próximo e gostarás de ver o teu novo saldo.
De seguida aproximou-se uma mulher jovem e bonita que disse:
- Eu quero ser a mulher mais bela do mundo, quero que todos os homens tremam de desejo quando me virem.
- Seja. Da próxima vez que te vires ao espelho verás o teu desejo comprido.
Seguiu-se uma velhinha com talvez uns 90 anos de idade, que na sua foz fraca disse simplesmente:
- Eu quero ser jovem outra vez.
- Seja. Da próxima vez que apagares as velas, elas serão apenas 25.
Aproximou-se então um homem, na casa dos trinta, de cabelo escuro e óculos de aspecto clássico:
- Eu quero inteligência, quero ser o homem mais genial do mundo.
- Seja. Nunca voltarás a conhecer um problema para o qual não encontres solução.
Seguiu-se uma mulher, com ar sério e decidido:
- Eu quero poder, muito poder.
- Seja. Tornei-te a pessoa mais carismática do mundo, na política poderás chegar ao cargo de poder que queiras.
Agora aproximou-se do génio um homem de cabelo cuidado e fato de banho de marca:
- Eu quero ser famoso, quero que toda a gente me conheça.
- Seja. Amanhã serás convidado para uma festa VIP e nunca mais sairás da ribalta.
Faltava apenas o rapaz alto e taciturno que esperava pacientemente a sua vez atráz dos outros. Foi o génio que lhe dirigiu a palavra:
- Então e tu?
- Eu? Eu só quero ser feliz.
O génio olhou para ele longamente, engoliu em seco duas ou três vezes e depois disse-lhe ao ouvido:
- Olha lá, não te importas de pedir outra coisa? É que vais estragar a minha reputação, pois esse é o único desejo que não consigo realizar.
segunda-feira, janeiro 16, 2006
Quimera
Quimera: o termo quimera alude a qualquer composição fantástica, absurda ou monstruosa, constituída de elementos disparatados ou incongruentes.
Será um homem?Um frango? Um perú? Uma avestruz? Não, é o Vítor Baía, aquele senhor que sonha um dia ser guarda-redes da selecção nacional... do Burkina Faso certamente.
Há muito tempo que um golo do Estela da Amadora não me fazia rir tanto. Há muito tempo (aliás desde sempre) que não via um frango tão monumental como o belo momento que o Baía nos ofereceu ontem, na Reboleira. Aqui não foi um frango, nem um perú, foi mesmo uma avestruz inteira a entrar na baliza do Porto!
Continua assim Vítor, tu és a nossa diversão!
sábado, janeiro 14, 2006
O saber do campo
Um dos previlégios de ser biólogo e andar no campo a trabalhar é o contacto com as pessoas do campo. Por muito que me custe, sou um citadino, sempre vivi em cidades, maiores ou mais pequenas, e no campo acabo sempre por me deparar com uma realidade bem diferente.
Infelizmente, como sou extremamente tímido, tenho dificuldade em encetar conversas com essas pessoas, mesmo quando óbviamente estão com vontade de conversar comigo, não quero estar a empatar (um conceito bem citadino!) e acabo por reduzir as conversas ao mínimo exigido pela boa educação.
Ultimamente tenho feito um esforço para parar um pouco e conversar com as pessoas, mesmo quando tenho pressa, não só porque às vezes me dão informações muito úteis para o meu trabalho, mas também, e sobretudo, porque são quase sempre conversas muito enriquecedoras.
Em primeiro lugar, há o conceito de tempo que é totalmente diferente. Nas cidades estamos sempre cheios de pressa, mas mesmo assim acabamos por não ter tempo para nada, nem sequer (ou se calhar sobretudo) para aquilo de que realmente gostamos. No campo as pessoas parecem sempre levar as coisas nas calmas, mas mesmo assim arranjam tempo para tudo. Podem perfeitamente parar meia hora para conversar com o biólogo maluco de Lisboa que ali anda a estudar os pássaros, que isso não os impede de concluir as suas tarefas. No final do dia, não foram nem mais, nem menos produtivos do que eu, apenas usufruiram melhor do seu tempo.
Depois, há algo que sempre apreciei: o conhecimento que essas pessoas têm da Natureza. Infelizmente acho que é um dom que se está a perder, mesmo entre as pessoas do campo, muitas estão-se marimbando para os pássaros, ou para as árvores ou para o que seja. A realidade moderna dos subsídios e outros enteresses económicos reduziu o seu trabalho a mais um negócio. Mas ainda encontro algumas pessoas que de facto conhecem o meio que os rodeia, que notam os pequenos promenores e sabem as coisas de uma maneira bem diferente do meu saber nascido em livros e aulas aborrecidas.
Na semana passada, tive duas experiências muito interessantes com dois agricultores, um perto de Samora Correia e outro junto a Alcácer do Sal. O primeiro, quando lhe perguntei se tinha visto por lá maçaricos, olhou para mim com um ar perplexo e disparou um "então você não sabe que esses bichos à tarde vão todos ali para baixo" apontando para algum local vagamente a Sul de onde estavam. Não, de facto não sabia, mas quando fui explorar nessa direcção, lá estavão eles... e esta hem? É o tipo de situação em que até gosto de fazer figura de urso, a humildade que daí advém só me faz bem. É bom sermos lembrados de vez em quando que há muita gente que sabe muito mais do que nós, mesmo daquilo que conhecemos bem!
O outro senhor, veio ter comigo enquanto eu observava aves num arrozal perto de Alcácer. Meio desconfiado, perguntou o que eu andava a fazer. Depois de eu lhe explicar, ficou muito interesado no meu trabalho, disse que não fazia ideia que os maçaricos migravam e que tinha percebido finalmente porque razão eles só ali apareciam nesta altura. Perguntou-me logo se eles estavam em perigo de extinção e ficou genuinamente satisfeito quando lhe disse que para já não. Depois disse-me algo extraordinário.
Falou-me de umas aves que já tinha visto no campo dele, muito parecidas com as outras aves brancas que por lá andavam (as garças), mas ligeiramente maiores e que ele percebia que eram diferentes porque costumavam bicar o solo de uma maneira diferente das outras. Ora nesse tal campo tenho visto uma espécie relativamente rara de garças, quase idênticas às outras garças brancas, mas um pouco maiores. Se não soubermos detectar duas ou três características pouco evidentes são muito difíceis de distinguir. Nunca me tinha passado pela cabeça que elas bicassem o solo de uma maneira diferente das outras, mas tenho a certeza que eram esses os bichos que ele tinha observado e tinha percebido que eram diferentes, coisa que muitos ornitólogos já com algum treino têm dificuldade em fazer. É um tipo de conhecimento da natureza muito diferente, mais empírico, mais genuíno, que só se ganha com anos e anos de contacto com o campo.
Posso estar a fazer um doutoramento em ecologia, mas é neste pequenos nadas que realmente sinto que estou a aprender algo de novo!
Infelizmente, como sou extremamente tímido, tenho dificuldade em encetar conversas com essas pessoas, mesmo quando óbviamente estão com vontade de conversar comigo, não quero estar a empatar (um conceito bem citadino!) e acabo por reduzir as conversas ao mínimo exigido pela boa educação.
Ultimamente tenho feito um esforço para parar um pouco e conversar com as pessoas, mesmo quando tenho pressa, não só porque às vezes me dão informações muito úteis para o meu trabalho, mas também, e sobretudo, porque são quase sempre conversas muito enriquecedoras.
Em primeiro lugar, há o conceito de tempo que é totalmente diferente. Nas cidades estamos sempre cheios de pressa, mas mesmo assim acabamos por não ter tempo para nada, nem sequer (ou se calhar sobretudo) para aquilo de que realmente gostamos. No campo as pessoas parecem sempre levar as coisas nas calmas, mas mesmo assim arranjam tempo para tudo. Podem perfeitamente parar meia hora para conversar com o biólogo maluco de Lisboa que ali anda a estudar os pássaros, que isso não os impede de concluir as suas tarefas. No final do dia, não foram nem mais, nem menos produtivos do que eu, apenas usufruiram melhor do seu tempo.
Depois, há algo que sempre apreciei: o conhecimento que essas pessoas têm da Natureza. Infelizmente acho que é um dom que se está a perder, mesmo entre as pessoas do campo, muitas estão-se marimbando para os pássaros, ou para as árvores ou para o que seja. A realidade moderna dos subsídios e outros enteresses económicos reduziu o seu trabalho a mais um negócio. Mas ainda encontro algumas pessoas que de facto conhecem o meio que os rodeia, que notam os pequenos promenores e sabem as coisas de uma maneira bem diferente do meu saber nascido em livros e aulas aborrecidas.
Na semana passada, tive duas experiências muito interessantes com dois agricultores, um perto de Samora Correia e outro junto a Alcácer do Sal. O primeiro, quando lhe perguntei se tinha visto por lá maçaricos, olhou para mim com um ar perplexo e disparou um "então você não sabe que esses bichos à tarde vão todos ali para baixo" apontando para algum local vagamente a Sul de onde estavam. Não, de facto não sabia, mas quando fui explorar nessa direcção, lá estavão eles... e esta hem? É o tipo de situação em que até gosto de fazer figura de urso, a humildade que daí advém só me faz bem. É bom sermos lembrados de vez em quando que há muita gente que sabe muito mais do que nós, mesmo daquilo que conhecemos bem!
O outro senhor, veio ter comigo enquanto eu observava aves num arrozal perto de Alcácer. Meio desconfiado, perguntou o que eu andava a fazer. Depois de eu lhe explicar, ficou muito interesado no meu trabalho, disse que não fazia ideia que os maçaricos migravam e que tinha percebido finalmente porque razão eles só ali apareciam nesta altura. Perguntou-me logo se eles estavam em perigo de extinção e ficou genuinamente satisfeito quando lhe disse que para já não. Depois disse-me algo extraordinário.
Falou-me de umas aves que já tinha visto no campo dele, muito parecidas com as outras aves brancas que por lá andavam (as garças), mas ligeiramente maiores e que ele percebia que eram diferentes porque costumavam bicar o solo de uma maneira diferente das outras. Ora nesse tal campo tenho visto uma espécie relativamente rara de garças, quase idênticas às outras garças brancas, mas um pouco maiores. Se não soubermos detectar duas ou três características pouco evidentes são muito difíceis de distinguir. Nunca me tinha passado pela cabeça que elas bicassem o solo de uma maneira diferente das outras, mas tenho a certeza que eram esses os bichos que ele tinha observado e tinha percebido que eram diferentes, coisa que muitos ornitólogos já com algum treino têm dificuldade em fazer. É um tipo de conhecimento da natureza muito diferente, mais empírico, mais genuíno, que só se ganha com anos e anos de contacto com o campo.
Posso estar a fazer um doutoramento em ecologia, mas é neste pequenos nadas que realmente sinto que estou a aprender algo de novo!
sexta-feira, janeiro 13, 2006
Eles estão dentro de nós!!
Há quem defenda que a ciência retira a beleza à Natureza, que a compreensão do funcionamento dos fenómenos naturais banaliza-os, tornando-os menos belos do que seriam aos olhos dos nossos antepassados que viviam num constante estado de maravilhamento com os "milagres" da Natureza.
Eu acho que é mais o contrário. Pode ser verdade que algumas coisas perdem algum do seu o impacto depois de sabermos o segredo que está por trás, um pouco como os truques dos mágicos. Mas, na maioria dos casos, o que acontece é que se acabam por descobrir novos detalhes, antes invisiveis para os nossos olhos, que tornam o mundo em que vivemos ainda mais maravilhoso.
Isto tudo para introduzer o tema deste post, uma teoria que os meus amigos biólogos já todos conhecem, mas o resto da população nunca ouviu provavelmente falar. Chama-se teoria endossimbiótica e é um bom exemplo de como a vida na terra é muito mais extraordinária ainda do que imaginamos.
Não querendo entrar em grandes detalhes técnicos, existem dentro de todas as nossas células umas pequenas estruturas chamadas mitocôndrias, que têm como função produzir a energia que o nosso corpo consome. Quase tudo o que comemos, assim como o oxigénio que consumimos, vão parar a estas pequenas centrais energéticas, que os transformam em moleculas de ATP, o principal combustível com que o nosso corpo trabalha ao nível celular. As mitocôndrias são pequenas maravilhas da natureza, conseguindo discretamente produzir quantidades tremendas de energia, energia que usamos para correr, saltar, carregar pesos, pensar, digerir a comida, etc. etc. etc. Onde é que entra então a tal teoria de nome complicado?
Há uns anos atrás, a Dr. Lynn Margulis descobriu que estas mitocôndrias eram originalmente bactérias, organismos que viviam livremente na Natureza. Algures no nosso passado evolutivo, as primeiras células complexas formaram uma simbiose com essas pequenas fábricas vivas, forneciam-lhes alimento e protecção em troca de quantidades enormes de energia. Com o passar do tempo, as mitocôndrias tornaram-se parte integrante das células de todos os organismos que vivem na terra, com a honrosa excepção das bactérias, suas primas. Ou seja, hoje em dia fazem parte de nós biliões e biliões de pequenos corpusculos que nascem connosco, sendo-nos transmitidos pelos nossos pais (por acaso as mitocôndrias só vêm da mãe, mas essa história fica para um outro pos) tal como tudo o resto em nós, mas que originalmente eram uma forma de vida completamente independente, na que é provavelmente a associação simbiótica mais antiga e mais bem sucedida na história da vida na Terra. É ou não é extraordinário?
Mais que isso, é lindo!
Eu acho que é mais o contrário. Pode ser verdade que algumas coisas perdem algum do seu o impacto depois de sabermos o segredo que está por trás, um pouco como os truques dos mágicos. Mas, na maioria dos casos, o que acontece é que se acabam por descobrir novos detalhes, antes invisiveis para os nossos olhos, que tornam o mundo em que vivemos ainda mais maravilhoso.
Isto tudo para introduzer o tema deste post, uma teoria que os meus amigos biólogos já todos conhecem, mas o resto da população nunca ouviu provavelmente falar. Chama-se teoria endossimbiótica e é um bom exemplo de como a vida na terra é muito mais extraordinária ainda do que imaginamos.
Não querendo entrar em grandes detalhes técnicos, existem dentro de todas as nossas células umas pequenas estruturas chamadas mitocôndrias, que têm como função produzir a energia que o nosso corpo consome. Quase tudo o que comemos, assim como o oxigénio que consumimos, vão parar a estas pequenas centrais energéticas, que os transformam em moleculas de ATP, o principal combustível com que o nosso corpo trabalha ao nível celular. As mitocôndrias são pequenas maravilhas da natureza, conseguindo discretamente produzir quantidades tremendas de energia, energia que usamos para correr, saltar, carregar pesos, pensar, digerir a comida, etc. etc. etc. Onde é que entra então a tal teoria de nome complicado?
Há uns anos atrás, a Dr. Lynn Margulis descobriu que estas mitocôndrias eram originalmente bactérias, organismos que viviam livremente na Natureza. Algures no nosso passado evolutivo, as primeiras células complexas formaram uma simbiose com essas pequenas fábricas vivas, forneciam-lhes alimento e protecção em troca de quantidades enormes de energia. Com o passar do tempo, as mitocôndrias tornaram-se parte integrante das células de todos os organismos que vivem na terra, com a honrosa excepção das bactérias, suas primas. Ou seja, hoje em dia fazem parte de nós biliões e biliões de pequenos corpusculos que nascem connosco, sendo-nos transmitidos pelos nossos pais (por acaso as mitocôndrias só vêm da mãe, mas essa história fica para um outro pos) tal como tudo o resto em nós, mas que originalmente eram uma forma de vida completamente independente, na que é provavelmente a associação simbiótica mais antiga e mais bem sucedida na história da vida na Terra. É ou não é extraordinário?
Mais que isso, é lindo!
quarta-feira, janeiro 11, 2006
Cenas de gajo
Vou fazer aqui uma confissão, nunca tive jeito nenhum para cenas de gajo. Na nossa sociedade existe o mito de que homem que é homem tem de saber construír coisas, reparar coisas, fabricar coisas, etc. Não é de todo o meu caso, era um total fracasso na escola, nos trabalhos manuais, olho para a coisa mais simples de mecânica como um boi para um palácio e a mais básica instalação eléctrica é para mim algo tirado de um filme de ficção científica...
Por tudo isto, quando no outro dia, numa tirada bem típica de mim, parti a ficha e a tomada do candeeiro da minha mesa de cabeçeira enquanto arredava a cama, pensei: "tou lixado". Imaginei-me logo a comprar um candeeiro novo só por causa da ficha eléctrica e nem fazia ideia do que fazer quanto à tomada. Mas não, enchi-me de coragem, rumei ao AKI em busca de material eléctrico e pus mãos à obra.
A tomada foi bastante fácil de reparar, era só tirar dois parafusos, encaixar a caixa nova e aparafusar. Já por uma ficha nova no cabo do candeeiro é mais complexo... Cortei o cabo de cada lado, descarnei os fios, enrrolei os aramitos de cobre uns nos outros e só depois me lembrei que aquilo só funciona se estiver bem isolado. Na falta de fita isoladora, enrrolei aquilo tudo com montes e montes de fita adesiva normal... claro que quando liguei o candeeiro à corrente o disjuntor deu um estouro como se não houvesse amanhã e ainda vi por um milésimo de segundo a fita adesiva num tom laranja incandescente. Rumei a uma loja para comprar fita isoladora. Claro que foi uma pequena guerra para conseguir por a fita em cada fio do cabo, sem partir de novo o outro, mas lá acabei por conseguir. Liguei o candeeiro à corrente e sabem que mais: fez-se luz!
Fiquei mesmo orgulhoso!
Something is rotten in the state of...
Acho que finalmente percebi o que não funciona no mundo. Estava a ouvir as tretas dos políticos e de repente apercebi-me, eles estão sempre a falar em crescimento económico e consideram uma catástrofe um país não crescer. Ora, se pensarmos um segundo, toda a economia se baseia, ainda e sempre, nos recursos disponíveis, nos recursos naturais.
Como os recursos naturais são limitados, pois só temos um planeta, os países não podem eternamente crescer sem se atingir um ponto de ruptura. Isso já era óbvio no que toca à população, mas nunca me tinha ocorrido que era o mesmo com a economia. Por isso aquelas tretas dos crescimentos dos PIBs e outras siglas que tais são mesmo uma treta.
Por muito que crescamos as pessoas continuam a viver igualmente mal, porque a economia cresce mas as desigualdades são constantantes, assim, os países deviam na verdade aspirar à estagnação económica, sendo que aquilo que se deviam esforçar por fazer crescer seria algo a que alguns peritos chamam o indice de felicidade. Não estou a gozar, existe mesmo, é um conceito que avalia uma série de variáveis da qualidade de vida em vez de se limitar a algo tão abstracto como a economia.
O objectivo das sociedades modernas deveria ser aumentar a felicidade das populações e não a riqueza das nações!
Como os recursos naturais são limitados, pois só temos um planeta, os países não podem eternamente crescer sem se atingir um ponto de ruptura. Isso já era óbvio no que toca à população, mas nunca me tinha ocorrido que era o mesmo com a economia. Por isso aquelas tretas dos crescimentos dos PIBs e outras siglas que tais são mesmo uma treta.
Por muito que crescamos as pessoas continuam a viver igualmente mal, porque a economia cresce mas as desigualdades são constantantes, assim, os países deviam na verdade aspirar à estagnação económica, sendo que aquilo que se deviam esforçar por fazer crescer seria algo a que alguns peritos chamam o indice de felicidade. Não estou a gozar, existe mesmo, é um conceito que avalia uma série de variáveis da qualidade de vida em vez de se limitar a algo tão abstracto como a economia.
O objectivo das sociedades modernas deveria ser aumentar a felicidade das populações e não a riqueza das nações!
terça-feira, janeiro 10, 2006
Apresento-vos o maçarico-de-bico-direito, Limosa para os amigos. Os próximos quatro anos da minha vida vão ser dedicados, em grande medida, a estes simpáticos bicharocos.
Passam o Verão no norte da Europa, no Inverno vêm para sul, alguns ficam pela Península Ibérica, outros continuam para sul até aos campos alagadiços da África Ocidental, em países exóticos como o Mali, o Níger e o Senegal.
Comem bichezas várias, alguns têm uma predilecção por minhocas-da-pesca e lambujinhas, enquanto outros com gostos mais requintados, perferem ir comer bagos de arroz aos arrozais, por exemplo, do Sado.
No Inverno são um bocado cinzentões, mas na Primavera enchem-se de magnifícos matizados entre o laranja, o ocre e o vermelho-ferrugem, em preparação para a época de reprodução, em que têm de impressionar os seus parceiros com as suas belas plumagens. Têm o estranho hábito de escolher um parceiro para toda a vida, tão incomum no reino animal, contudo, passam o Inverno separados, por vezes por milhares de quilómetros, mas de alguma forma os dois membros de cada casal arranjam maneira de voltar todos os anos ao mesmo prado para originarem mais uma ninhada de fofinhas bolas de penugem acastanhada.
Poucos meses depois de nascerem, partem para a sua primeira migração, em percursos de milhares de quilometros em busca do bom tempo, só para no ano seguinte voltarem, precisos como pombos correio ao local onde nasceram para continuarem o legado da sua espécie.
Na Holanda, pátria da maior população desta espécie, chamam-lhes "Grutto", um nome que corresponde à onomatopeia da sua vocalização típica nos territórios de reprodução. Por isso gosto mais desta nome. Despeço-me para voltar ao meu trabalho e estudar estes gruttos que são uns animais fantásticos.
O nojo e o ódio
Acho que não preciso de escrever aqui mais nenhuma vez o ódio profundo que o mero nome Cavaco Silva causa em mim. Não é ódio, é asco, repugnância, aquela sensação vaga e visceral que sentimos quando vemos um bicho morto coberto de vermes. Mas vou tentar ser mais racional e menos visceral. Alguém me explica porque é que alguém, no seu perfeito juízo, pode sequer ponderar a hipótese de votar nessa avantesma?
Já se esqueceram do tempo em que na garganta do povo morava o cântico “A luta contínua, Cavaco para a rua”. Já se esqueceram das cargas policiais sobre os vidreiros da Marinha Grande, já se esqueceram como acabou o buzinão da ponte? Já se esqueceram do tempo em que o primeiro-ministro de uma democracia europeia ousava dizer coisas como “tenho sempre a certeza e raramente me engano”? Só esta frase, bem analisada, diz tudo sobre o bicho.
Nojo é um sinónimo de luto, mas será nojo verdadeiro, assim como um profundo luto nacional, aquilo que vou sentir se ele for o nosso próximo presidente. Não pode acontecer, não deve acontecer, não acontecerá! Sei que não acontecerá porque me recuso a acreditar, como esses senhores gostam de nos fazer pensar, que os portugueses são um povo estúpido, ignorante e crédulo. Mostrámos novos mundos ao mundo, também havemos de enxergar qualquer coisa aquém-fronteiras! Não era minha intenção cair nestas perigosas deambulações patrióticas, nem tão pouco faz o meu estilo, mas porra: Contra o Cavaco marchar, marchar!
Já se esqueceram do tempo em que na garganta do povo morava o cântico “A luta contínua, Cavaco para a rua”. Já se esqueceram das cargas policiais sobre os vidreiros da Marinha Grande, já se esqueceram como acabou o buzinão da ponte? Já se esqueceram do tempo em que o primeiro-ministro de uma democracia europeia ousava dizer coisas como “tenho sempre a certeza e raramente me engano”? Só esta frase, bem analisada, diz tudo sobre o bicho.
Nojo é um sinónimo de luto, mas será nojo verdadeiro, assim como um profundo luto nacional, aquilo que vou sentir se ele for o nosso próximo presidente. Não pode acontecer, não deve acontecer, não acontecerá! Sei que não acontecerá porque me recuso a acreditar, como esses senhores gostam de nos fazer pensar, que os portugueses são um povo estúpido, ignorante e crédulo. Mostrámos novos mundos ao mundo, também havemos de enxergar qualquer coisa aquém-fronteiras! Não era minha intenção cair nestas perigosas deambulações patrióticas, nem tão pouco faz o meu estilo, mas porra: Contra o Cavaco marchar, marchar!
segunda-feira, janeiro 09, 2006
Pensamento do dia
Será que já alguém tentou confirmar a idade do Mário Soares pelo método de datação do Carbono 14 radioactivo? É um método que costuma ser bastante eficaz para fósseis e outras coisas antigas...
Mea culpa
Retiro o que disse sobre as palavras. Retiro o que disse por causa das palavras que recebi em resposta. Foram estas as palavras que me fizeram mudar de opinião:
"Nao te esquecas das palavras doces, nao te revoltes tanto com elas: fresco, doce, palpitante, terno, justo. limpo, verde, luminoso, ondulante, riso, fadas, fruta,...."
E não voltarei a culpar as palavras injustamente.
"Nao te esquecas das palavras doces, nao te revoltes tanto com elas: fresco, doce, palpitante, terno, justo. limpo, verde, luminoso, ondulante, riso, fadas, fruta,...."
E não voltarei a culpar as palavras injustamente.
domingo, janeiro 08, 2006
Meras palavras
As palavras são fracas. São estranhos desavindos, perdidos num mar tão profundo. São ricos e gordos tiranos, dominando um mundo que não é o deles.
As palavras não sentem, as palavras não choram, as palavras não vivem, as palavras não morrem. Duram um segundo e perduram uma vida.
As palavras são desconexas, descabidas, desprovidas de sentido. Não me servem para o que as quero. Falta-lhes a fúria e a paixão de uma vida longamente sofrida.
São as palavras que me deixam sem palavras.
As palavras não sentem, as palavras não choram, as palavras não vivem, as palavras não morrem. Duram um segundo e perduram uma vida.
As palavras são desconexas, descabidas, desprovidas de sentido. Não me servem para o que as quero. Falta-lhes a fúria e a paixão de uma vida longamente sofrida.
São as palavras que me deixam sem palavras.
sexta-feira, janeiro 06, 2006
Sérgio Godinho
Não quero abusar dos plágios aqui no blog. Aliás, não são plágios, são citações, porque ponho sempre o nome do autor, mas é sempre melhor ser original. Ainda assim, vou deixar aqui hoje a letra de uma das músicas mais bonitas do Sérgio Godinho. "A Noite Passada" já foi escrita à mais de 30 anos, ainda o Sérgio Godinho era um puto rebelde (no fundo ainda é, por isso é que continuamos a gostar dele). É uma letra tão simples e ao mesmo tempo tão complexa. Gosto mesmo!
A Noite Passada
A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas água
se então falámose então dissemos
aqui vivemos muitos anos
A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"
Sérgio Godinho
A Noite Passada
A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas água
se então falámose então dissemos
aqui vivemos muitos anos
A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"
Sérgio Godinho
quinta-feira, janeiro 05, 2006
Quintas-feiras culturais XVII
Quantas vezes não damos por nós a rir, quando o que nos apetece realmente é chorar. Não estou a dizer que se seja o meu caso hoje, mas há dias assim. Assim como os devia haver para o poeta António Patrício que escreveu este poema:
De que me rio eu?... Eu rio horas e horas
só para me esquecer, para me não sentir.
Eu rio a olhar o mar, as noites e as auroras;
passo a vida febril inquietantemente a rir.
Eu rio porque tenho medo, um terror vago
de me sentir a sós e de me interrogar;
rio para não ouvir a voz do mar pressago
nem a das coisas mudas a chorar.
Rio para não ouvir a voz que grita dentro de mim
o mistério de tudo o que me cerca
e a dor de não saber porque vivo assim.
António Patrício
De que me rio eu?... Eu rio horas e horas
só para me esquecer, para me não sentir.
Eu rio a olhar o mar, as noites e as auroras;
passo a vida febril inquietantemente a rir.
Eu rio porque tenho medo, um terror vago
de me sentir a sós e de me interrogar;
rio para não ouvir a voz do mar pressago
nem a das coisas mudas a chorar.
Rio para não ouvir a voz que grita dentro de mim
o mistério de tudo o que me cerca
e a dor de não saber porque vivo assim.
António Patrício
Insatisfação
Queria ser peixe e nadar, ou ser ave e voar. Ser baleia e cantar, ou rã e coaxar. Queria talvez ser cão e ladrar, gato e miar ou cavalo e trotar. Ou ser crocodilo e chorar, ser golfinho e saltar.
Só não queria ser humano e pensar…
Pensamentos de um biólogo (eu) enquanto olha com olhar vago e distante o lento fluír das águas do Sado sob o casco do ferry de Tróia para Setúbal.
Só não queria ser humano e pensar…
Pensamentos de um biólogo (eu) enquanto olha com olhar vago e distante o lento fluír das águas do Sado sob o casco do ferry de Tróia para Setúbal.
terça-feira, janeiro 03, 2006
Por uns momentos...
As vezes, por momentos, todos os quarcks e neutrinos do Universo parecem encaixar nas posições certas e tudo bate certo. Por um momento compreendemos tudo, tudo faz sentido e percebemos que tudo era afinal muito mais simples do que parecia. Por uns momentos...
A mamute caçado não se olha o dente
Quando um gajo vai às compras, e enfatizo aqui a palavra gajo, porque as mulheres não parecem padecer desse problema, a coisa ganha sempre contornos de missão impossível. Por mais vezes que vá à porcaria do supermercado tenho de passar sempre horas a procurar as coisas que quero.
Há quase três anos que vou ao mesmo Feira Nova, mas mesmo assim continuo a deambular pelos corredores, meio perdido, à procura dos produtos. Ainda ontem, precisava de comprar molas para estender roupa, ora na minha infinita ingenuidade, achei que as molas estariam perto do detergente para a roupa, afinal, o uso das molas vem no seguimento do uso do detergente. Nem andei muito longe, mas o raciocino deles foi o inverso e puseram as molas ao pé das tábuas de engomar…
Depois foi o caos da escolha do champô. Escolher uma das trezentas marcas é fácil, escolho sempre a mais barata (passo a publicidade, mas é o Fructis). Por acaso até era engraçado comparar a composição química dos champôs para ver se realmente tem alguma diferença. Depois vem a parte realmente difícil. Há os champôs para cabelos oleosos, secos, semi-secos, com tendência a oleosos, etc. Depois há um champô contra a caspa, outro para evitar o regresso da caspa. Existem uns que são fortalecedores, outros são amaciadores, outros rejuvenescem o cabelo, tornam-no mais moldável, ou mais brilhante, até deve haver um que faz o cabelo falar. Também há uns para cabelos louros ou morenos, no meio disto tudo como é que se escolhe? Como? Antigamente existiam uns que diziam simplesmente “para cabelos normais”, o que eu imagino que queria dizer que era uma espécie de champô standard, agora já não existe esta versão tão simples.
Nível seguinte: escolher iogurtes. Antigamente os iogurtes serviam para comer, mas agora não. Curam o colesterol, ou a aterosclerose, fortalecem o sistema imunitário ou facilitam a digestão. Quanto isto é fácil, estou-me pouco marimbando, escolho apenas pelo sabor, mas até aqui me conseguem lixar. Inevitavelmente, quando aparece um sabor novo que me agrada, desaparece imediatamente e nunca mais o volto a ver. Ainda há duas ou três semanas experimentei uns iogurtes com sabor a batido de morango (eu sei… mas há coisas mais estranhas!). Ora já os procurei várias vezes mas nunca mais os vi. Não, não sonhei com os iogurtes!
Deve ser a história dos caçadores-recolectores. Os homens não evoluíram no sentido de recolher produtos de supermercado, costumávamos caçar. Escolher cenas para comprar está para lá das capacidades do nosso pequenito cromossoma Y. Afinal, não existiam dezenas de variedades de mamute à escolha para caçar, se apanhássemos um já era muito bom. A mamute caçado não se olhava o dente…
Há quase três anos que vou ao mesmo Feira Nova, mas mesmo assim continuo a deambular pelos corredores, meio perdido, à procura dos produtos. Ainda ontem, precisava de comprar molas para estender roupa, ora na minha infinita ingenuidade, achei que as molas estariam perto do detergente para a roupa, afinal, o uso das molas vem no seguimento do uso do detergente. Nem andei muito longe, mas o raciocino deles foi o inverso e puseram as molas ao pé das tábuas de engomar…
Depois foi o caos da escolha do champô. Escolher uma das trezentas marcas é fácil, escolho sempre a mais barata (passo a publicidade, mas é o Fructis). Por acaso até era engraçado comparar a composição química dos champôs para ver se realmente tem alguma diferença. Depois vem a parte realmente difícil. Há os champôs para cabelos oleosos, secos, semi-secos, com tendência a oleosos, etc. Depois há um champô contra a caspa, outro para evitar o regresso da caspa. Existem uns que são fortalecedores, outros são amaciadores, outros rejuvenescem o cabelo, tornam-no mais moldável, ou mais brilhante, até deve haver um que faz o cabelo falar. Também há uns para cabelos louros ou morenos, no meio disto tudo como é que se escolhe? Como? Antigamente existiam uns que diziam simplesmente “para cabelos normais”, o que eu imagino que queria dizer que era uma espécie de champô standard, agora já não existe esta versão tão simples.
Nível seguinte: escolher iogurtes. Antigamente os iogurtes serviam para comer, mas agora não. Curam o colesterol, ou a aterosclerose, fortalecem o sistema imunitário ou facilitam a digestão. Quanto isto é fácil, estou-me pouco marimbando, escolho apenas pelo sabor, mas até aqui me conseguem lixar. Inevitavelmente, quando aparece um sabor novo que me agrada, desaparece imediatamente e nunca mais o volto a ver. Ainda há duas ou três semanas experimentei uns iogurtes com sabor a batido de morango (eu sei… mas há coisas mais estranhas!). Ora já os procurei várias vezes mas nunca mais os vi. Não, não sonhei com os iogurtes!
Deve ser a história dos caçadores-recolectores. Os homens não evoluíram no sentido de recolher produtos de supermercado, costumávamos caçar. Escolher cenas para comprar está para lá das capacidades do nosso pequenito cromossoma Y. Afinal, não existiam dezenas de variedades de mamute à escolha para caçar, se apanhássemos um já era muito bom. A mamute caçado não se olhava o dente…
segunda-feira, janeiro 02, 2006
Floresta de Faias
O silêncio adensava-se na atmosfera, cobrindo o mundo como um pano do mais imaculado branco. Era este o silêncio que ele procurava, o silêncio calmo da floresta de faias que o Inverno cobrira de neve, era ali que encontraria o fio de pensamento, a reflexão que necessitava de trazer à sua vida.
Longe da sua habitual depressão, era à felicidade que encontrara que necessitava de dar rumo. Vagueara perdido, por vários dias, abandonado à sua própria euforia perdera-se no colorido vitral de emoções que o assaltara. Chegara agora a altura de se reencontrar.
Sob as faias despidas, acompanhado apenas pelo leve sussurro do vento invernal que acariciava com dedos gélidos as frágeis gemas das árvores, sentou-se sobre a neve pronto a passar tanto tempo quanto fosse necessário na procura de um ponto de equilibro naquele deserto branco. Pensou longamente na sua vida, desde a infância à velhice. Perdeu longos momentos a relembrar os muitos dias perdidos, ganhos ao lado de quem sempre fora o centro da sua vida. Afagou docemente as memórias da infância e relembrou, com tremores que poderiam ser de frio, as dores sentidas na adolescência. Reviveu num segundo a vida da juventude, as boas e más memórias perduraram demoradamente no fundo da sua mente. Matutou no seu lento maturar, viveu as ideias e ideais que sofregamente apoiou. Relembrou todos os que foram a sua vida, carimbou com o olhar interior as doçuras amargas e as amarguras doces. Sentiu-se definhar ao recapitular o lento decair do seu vigor, nos últimos anos.
Horas, dias, talvez tenham passado meses, este ente da floresta olhou profundamente o mar branco que o rodeava até achar o seu destino. Encontrara por fim o seu lugar final, ali entre flocos de neve e raízes nodosas. Foi aí que se ergueu, abriu os olhos e estendeu os braços aos céus. Sentiu a energia da terra fluir nas suas veias e artérias, experimentou um forte enrijar dos músculos e a sua pele pareceu ganhar a consistência da cortiça.
Morreu o homem, nasceu a árvore, pois fora nisso que se tornara. Uma nova faia estendia agora os seus ramos aos céus cinzentos do Inverno.
Longe da sua habitual depressão, era à felicidade que encontrara que necessitava de dar rumo. Vagueara perdido, por vários dias, abandonado à sua própria euforia perdera-se no colorido vitral de emoções que o assaltara. Chegara agora a altura de se reencontrar.
Sob as faias despidas, acompanhado apenas pelo leve sussurro do vento invernal que acariciava com dedos gélidos as frágeis gemas das árvores, sentou-se sobre a neve pronto a passar tanto tempo quanto fosse necessário na procura de um ponto de equilibro naquele deserto branco. Pensou longamente na sua vida, desde a infância à velhice. Perdeu longos momentos a relembrar os muitos dias perdidos, ganhos ao lado de quem sempre fora o centro da sua vida. Afagou docemente as memórias da infância e relembrou, com tremores que poderiam ser de frio, as dores sentidas na adolescência. Reviveu num segundo a vida da juventude, as boas e más memórias perduraram demoradamente no fundo da sua mente. Matutou no seu lento maturar, viveu as ideias e ideais que sofregamente apoiou. Relembrou todos os que foram a sua vida, carimbou com o olhar interior as doçuras amargas e as amarguras doces. Sentiu-se definhar ao recapitular o lento decair do seu vigor, nos últimos anos.
Horas, dias, talvez tenham passado meses, este ente da floresta olhou profundamente o mar branco que o rodeava até achar o seu destino. Encontrara por fim o seu lugar final, ali entre flocos de neve e raízes nodosas. Foi aí que se ergueu, abriu os olhos e estendeu os braços aos céus. Sentiu a energia da terra fluir nas suas veias e artérias, experimentou um forte enrijar dos músculos e a sua pele pareceu ganhar a consistência da cortiça.
Morreu o homem, nasceu a árvore, pois fora nisso que se tornara. Uma nova faia estendia agora os seus ramos aos céus cinzentos do Inverno.
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