Se há coisa que eu não esperaria fazer aqui era citar a Bíblia, mas hoje não resisto a fazê-lo para expor uma das tantas incongruências falaciosas que a direita nos gosta de impor como lei. Ora na sua forma mais tradicional e trauliteira, no campo em que cai mais frequentemente o CDS, e com menos frequência o PSD, a direita coloca-se contra as liberdades sociais por estas irem contra a matriz católica do pensamento Europeu, ou por outras palavras a Bíblia. É na Bíblia que se justificam coisas injustificáveis como a descriminação dos homossexuais, ainda hoje habitual, ou a desigualdade entre os sexos, coisa que felizmente já muito pouco têm coragem de defender. O mesmo se aplica à interrupção voluntária da gravidez e à contracepção.
Ora essa mesma direita, que apesar de não gostar de assim ser chamada, é extrema, gosta também de defender algo a que agora é habitual chamar neo-liberalismo económico, mas a que eu prefiro chamar extremismo anti-social. Foi esse tipo de ideologia que levou o mundo à situação de crise que hoje vivemos, e é essa mesma ideologia que hoje impões soluções que não o são para enfrentar essa mesma crise. É neste contexto que essa tal direita, que chamando os bois pelos nomes passarei a chamar de extrema-direita, se mostra aberta e até violentamente contra qualquer ideia de renegociação ou perdão das dívidas, independentemente dessas dívidas serem ou não justas ou mesmo legais.
Ora é aqui que a extrema-direita cai numa das suas muitas incongruências. A tal Bíblia não se limita a defender injustiças sociais, aliás muito pelo contrário, contém em si os princípios básicos da justiça social, até porque foi escrita não com fins religiosos, mas como textos filosóficos e políticos que acompanharam o início das primeiras civilizações humanas. No que toca à questão das dívidas, a Bíblia é clara. Reconhecendo o seu papel destrutivo para a sociedade, e a sua função como geradora e perpetuadora de injustiças, eis o que a Bíblia sugere em relação à dívida:
"No fim de cada período de sete anos deves perdoar as dívidas. Será da seguinte maneira: todo aquele que tiver emprestado alguma coisa a alguém deve-lhe perdoar e não exigir a restituição. É um ano de perdão em honra do senhor" (Deuteronómio 15:1)
"Moisés escreveu esta lei e entregou-a aos sacerdotes descendentes de Levi, que transportam a Arca da Aliança do senhor, e aos ancião de Israel, com a seguinte ordem: "No fim de cada período de sete anos, isto é, no ano em que se devem perdoar as dívidas (...) devem ler publicamente esta lei diante de todos" (Deuteronómio 31:10)
Voltando o feitiço contra o feiticeiro, resta-me perguntar à direita, não só á nossa, mas também á que na Alemanha, em França e nos Estados Unidos nos parece querer empurrar todos para a escravidão: Porque não cumprem vocês o que está escrito na Bíblia de que tanto gostam?
Este tema é tratado no livro "A Dividadura - Portugal na Crise do Euro" de Francisco Louçã e Mariana Mortágua (Bertand Editora) de onde retirei as citações bíblicas. Mas confirmei a exactidão das citações numa cópia da Bíblia antes de as usar aqui.
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