Quando olhamos o olhar vazio e desprovido de sentido ou sentimento dos holandeses, por exemplo nos transportes publicos ou simplesmente quando se atropelam uns aos outros com as bicicletas pela rua, é facil perceber que nunca poderão um dia compreender o conceito de saudade. A beleza e a profundidade do sentimento, a dor e a beleza que contém.
Os ultimos tempos têm-me corrido bastante bem, há muito não pensava em saudades. Contudo, cá no fundo todo o português que está longe do seu país a carrega, aqui, algures no peito. Aconteceu hoje ir no carro a trautear musicas portuguesas. Dos Xutos aos Delfins, dos Quinta do Bill aos Ban, imagine-se! Aconteceu vir-me à cabeça o "125 Azul" dos Trovante.
Quando passei mentalmente pelos versos:
"Foi sem mais nem menos
Que me deu para arrancar-
Sem destino nenhum."
Subitamente subiram-me pelas entranhas umas saudades do nosso país, tão forte que quase as senti como uma dor física. De repente senti uma necessidade desesperada de ver o mar, o nosso mar, ver o Atlântico algures na costa portuguesa, numa praia ou numa falésia, entre Caminha e Vila real de Santo António. Mais azul do que o azul, sabe-lo ali, a dois passos, sempre pronto a oferecer descanso para o meu olhar no eterno buliço das suas ondas.
Também eu parti. De certa forma, e olhando agora em retrospectiva, também eu parti sem destino nenhum. Também eu parti, no fundo, na esperança de me encontrar. Tal como na música, parti na esperança que:
"Talvez, um dia me encontre.
Assim, talvez me encontre."
Passaram anos e acredito verdadeiramente que me conheço melhor. Sei melhor quem sou, sei melhor o que procurava. Acho até que, pelo menos em parte, encontrei aquilo que procurava. Sei também, cada vez melhor, a enorme parte de mim que precisa desse mar que é o nosso Atlàntico, só o nosso e mais nenhum. Sei bem que tanto de mim é a nossa comida portuguesa, tanto de mim é sentir a toda a volta o prazer em comer que é tão portugues. Que tanto de mim é essa língua, que foi de Camões e de Pessoa e que agora é minha e vossa, que é nossa. Tanto de mim é sentir a simpatia das pessoas, mesmo das antipáticas. Como poderia imaginar que parte de mim sentiria falta de almoçar ou jantar ao som do Telejornal, em português. Conheço-me melhor. Aprendi a admirar um povo capaz de tal riqueza que é a capacidade de sentir saudades.
Pode não ser hoje, pode nem ser em breve. Podem até demorar anos e mais anos. Mas cá no fundo penso que sei, agora, que um dia voltarei. Que um dia voltarei para ficar.
4 comentários:
Ao menos tu tens certezas... Eu não sei se volto. Se voltar é um pouco contrariada, pois tenho realmente um pé fora e outro dentro. Portanto, estou sempre com saudades de alguma coisa. E à conta disso ainda me sinto mais perdida... :P Ainda não me encontrei (como gostaria).
Foda-se - e começo com um foda-se bem português - como eu compreendo este texto. Bem sei que sou um novo-emigrante comparado contigo, mas acredita que partilho quase tudo o que escreveste. E que bem escrito. Hoje demos gritos histéricos quando encontrámos no supermercado um pack de cerveja Sagres, que bebo enquanto escrevo este comentário. Saí de Portugal para o poder ver de fora, tão farto que estava de olhar para ele de dentro. Agora sim, agora dou valor às mais pequenas coisas do quotidiano português que tão farto estava. Agora tenho a certeza que poucos são tão felizes como nós na infelicidade. Nada se compara à nossa comida, à nossa bebida, à nossa maneira de ser com tudo o que é de bom e mau. Apenas há dois meses fora e já morro de saudades. Não só as saudades normais dos amigos e família, mas as saudades do portuguesismo. Quanto aos holandeses, esses são mil vezes mais desenvolvidos que nós, mais avançados, mais saudáveis e mais ricos, mas desconhecem o prazer de estar vivo. Além disto, "a minha pátria é língua portuguesa". Há algum Holandês que possa dizer algo parecido? Patriotismos à parte, somos os maiores do mundo! Grande abraço da Escócia
Sim João, mal pomos o pe ca fora começamos a dar mais valor ao que la estava dentro...
Joana, ficar a meio nao é nada facil. Ja houve alturas em que me achei mais a meio caminho, agora decididamente só quero dirigir-me mais para Sul, o Norte nao faz o meu estilo
..e entrelaçando-nos em fios de seda tece a saudade o seu casulo...muitas vezes nascemos borboletas :-)
Um beijo da lua
Enviar um comentário