Quantas vezes o nosso olhar embalado pelas ondas do mar não nos leva até pensamentos escondidos que não tínhamos ainda percebido que tínhamos? Não é pois isto aquilo a que se chama meditar? Não o meditar dos místicos, aquele que procura a total calma interior, mas o meditar dos filósofos, daqueles que procuram perguntas, que anseiam por encontrar mais uma pergunta atrás de cada resposta.
Pensava eu assim num dia como outro qualquer quando me assolou um pensamento estranho, desavindo. Fará sentido existir um português feliz? Não será a tristeza crónica, este aparente pesar pela felicidade de estar vivo um ponto tão importante da alma lusa como o são as sardinhas em Junho ou a língua portuguesa que dá vida ao nosso pensar?
Nunca ninguém o terá dito tão eloquentemente como Amália, ao cantar “Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é Fado”. Esse Fado, que mais do que música pretende ser a crónica do fado de ser português. Será pois este fado triste, triste não por o ser, mas por ser assim que o sentimos, a melhor definição do ser português?
Pois assim o seja, pois conclui-se assim que nos devemos satisfazer em cada momento de tristeza, pois é aí que nos definimos como portugueses. Ficar feliz por estar triste, estar triste por ser feliz, é pois esta ambiguidade aparentemente bicéfala que nos define.
Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado
Disse-te que não sabia
Tu ficaste admirado
Sem saber o que dizia
Eu menti naquela hora
Disse-te que não sabia
Mas vou-te dizer agora
Almas vencidas
Noites perdidas
Sombras bizarras
Na Mouraria
Canta um rufia
Choram guitarras
Amor ciúme
Cinzas e lime
Dor e pecado
Tudo isto existe
Tudo isto é triste
Tudo isto é fado
Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado
Não me fales só de amor
Fala-me também do fado
E o fado é o meu castigo
Só nasceu pr'a me perder
O fado é tudo o que digo
Mais o que eu não sei dizer.
Amália Rodrigues
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