Foi anunciado na semana passada que o mundo ultrapassou pela primeira vez na história da humanidade a barreira das 400 parte por milhão (ppm) de concentração de dióxido de carbono na atmosfera. A notícia foi recebida com alguma, mas devo dizer moderada, preocupação por governantes e responsáveis vários e com o habitual enterrar da cabeça na areia daqueles que insistem em negar que o Homem está a alterar de forma decisiva as condições de habitabilidade do planeta
Esta notícia suscita-me várias interpretações. 1. Enquanto cientista e pessoa geralmente bem informada sobre esta situação, este novo dado assusta-me moderadamente, não por ser inesperado, mas antes por confirmar cenários piores do que aquilo que seria talvez de esperar. 2. Enquanto cidadão, impressiona-me pela falta de compreensão que a nossa sociedade tem do significado deste número, a começar pelos nossos governantes e sobretudo pelos meios de comunicação que demonstração a sua habitual e completa iliteracia em assuntos cientifico-técnicos. 3. Enquanto pessoa, e desde à pouco tempo pai, aterroriza-me profundamente porque eu tenho, se calhar infelizmente, uma noção bastante boa do que significa realmente esta notícia para o nosso futuro.
Comecemos pelo significado exacto da notícia. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera tem uma alta correlação com o efeito de estufa na atmosfera do nosso planeta, pelo que um aumento da sua concentração significa que esse efeito de estufa vai aumentar, tornando o planeta em média mais quente com consequências para o sistema climático global. A concentração de dióxido carbono antes de começar a revolução industrial rondava os 280 ppm, sendo esse o valor de referência sobre o qual devemos ponderar esta notícia. Sabemos que num passado distante esta concentração sofreu grandes flutuações, em alguns períodos foi bem mais baixa e noutros bem mais elevada, mas essas variações deram-se geralmente ao longo de muitos milhares ou milhões de anos, um ritmo bem diferente do que observamos hoje, e em algumas épocas podem ter estado ligadas a fases catastróficas para a vida na Terra.
Desde meados do século passado, a concentração desse gás tem sido monitorizada, sendo conhecida a sua variação, que é mostrada neste gráfico:
Como é evidente no gráfico, a concentração tem subido consideravelmente e, apesar da flutuação sazonal devida ao efeito das plantas durante o verão no Hemisfério Norte, é evidente que todos os anos o pico é mais elevado. Os 400 ppm são relevantes não só por serem um número redondo, mas também porque têm sido considerados por muitos cientistas como um ponto de não retorno. Isto é, se ultrapassa-se-mos esse valor, as alterações efectuadas ao planeta seriam irreversivelmente graves. Claro que isto é meramente uma meta moral, os 399 ou os 401 não são muito mais nem menos graves que os 400 ppm.
Passando então ao ponto 1, esta notícia é algo preocupante porque não só vem confirmar os cenários previstos pelo Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC) da Nações Unidas, mas vem sugerir que dos vários cenários apresentados por esse comité, um valor de 400 ppm no ano 2013 corresponde à situação prevista no pior cenário previsto. Acho que não preciso de explicar a gravidade dessa constatação, não só as coisas estão a correr mal, como estão a correr o pior possível. As consequências climáticas desse cenário são no mínimo desastrosas e significam nada menos que uma total alteração das nossas vidas e do mundo com o conhecemos ainda dentro do período das nossas vidas. Contudo, isto não é o mais grave nem mais assustador, deixando eu este aspecto para o ponto 2.
Como dizia acima, o meu ponto 2 refere a total ignorância exibida pelos nossos governantes e pelo meios de comunicação em relação a esta matéria. Alguns políticos acenaram que sim, que achavam isto grave, para a seguir voltarem à sua actividade habitual de inventar crises económicas e roubar aos pobres para dar aos ricos. Eu não esperaria outra coisa deles. Mais grave para mim é a fraca cobertura mediática deste assunto. Poderão haver excepções, mas a esmagadora maioria dos jornalistas leram o número: 400 ppm, deram uma vista de olhos para as previsões do IPCC e noticiaram que este valor pode causar uma subida da temperatura média do planeta de até 2,4ºC até final do século XXI, que certamente teria consequências graves, mas não tem sequer semelhança com o que estamos aqui a ver. A verdade é que essas previsões diziam respeito às consequências climáticas do valor de concentração de dióxido de carbono quando esta subida vier a estabilizar, assumindo que a humanidade aprendia com os seus erros e tomava medidas drásticas para acabar com a emissão em larga escala deste gás até 2020 ou no máximo até 2050. Ora o que o gráfico que pus acima nos diz não é que a concentração de dióxido de carbono vai estabilizar nos 400 ppm, o que ele nos diz é que vamos passar este ano os 400 ppm, mas que nada indica que a subida não vai continuar. Na verdade, o que interessa retirar desse gráfico são as taxas de incremento do dióxido de carbono, para tentar perceber se estamos a tender para uma estabilização no futuro. Eu estive a fazer um pequeno exercício de calcular a variação da concentração a cada 5 anos no gráfico. O resultado é outro gráfico:
O que aqui vemos é que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera não está a estabilizar, na verdade está a subir mais depressa hoje do que aquilo que acontecia nos anos 80 ou 90, provavelmente devido à crescente industrialização de países anteriormente sub-desenvolvidos e devido ao total falhanço das políticas globais de controlo da emissão de gases de efeito de estufa. Isto significa que a verdadeira notícia não são os 400 ppm, a notícia aqui é que a humanidade não só não está a conseguir resolver o problema como ele se está a agudizar, pelo que tudo indica que a concentração de dióxido de carbono vai continuar a subir e que como tal a previsão de subida de temperatura até final do século será substancialmente superior aos tais 2,4 ºC. Ora é este gráfico que me leva directamente ao meu terceiro ponto.
No meu ponto 3 queria pensar nisto do ponto de vista pessoal e emotivo. O gráfico que fiz com as taxas de variação evidencia que a nossa acção vai levar a uma alteração radical nas condições de habitabilidade do planeta. Não sou perito na matéria, mas do que tenho lido, a ideia geral que os nossos cientistas têm é que uma subida das temperaturas médias até aos 2 a 2,5 ºC, embora causando graves alterações nos padrões climáticos globais, permitiria à humanidade manter um estilo de vida semelhante ao actual, desde que esse estilo de vida seja adaptado a uma subsistência com baixa produção de gases de efeito de estufa. Ora se, como tudo parece indicar, estamos no caminho dos piores cenários projectados e nada sugere que a situação tenha tendência a melhorar, então o mais provável é que a subida nas temperaturas médias seja bem superior ao 2,5ºC, talvez até mesmo chegando aos 4ºC, 5ºC, 6ºC. Subidas desse tipo significam que as condições de habitabilidade do planeta vão ser violentamente alteradas não só até ao final do século como até mesmo já durante as nossas vidas. Secas, fenómenos climáticos extremos, extinções, redução drástica da produção agrícola mundial, fome, guerra, doenças, morte em massa de animais e plantas, provável redução acentuada da população mundial tornam-se todos cenários não só possíveis mas prováveis.
Isto significa que vamos sofrer pessoalmente com as consequências desta notícia, significa que muitas pessoas vão morrer devido a este facto, significa que os dramas que se vivem já em algumas zonas do mundo, mas que nos parecem ainda distantes a nós que viemos protegidos no "primeiro mundo" terão tendência a agravar-se e a espalhar-se também à Europa e à América do Norte. Isto significa também que falhámos enquanto sociedade. O problema foi detectado a tempo, mas não soubemos actuar sobre o problema e comportarmo-nos como a proverbial rã que não percebe que a água está a aquecer gradualmente e acaba cozida. Significa também que em vez de criarmos um mundo melhor para os nossos filhos, lhes vamos deixar como herança o inferno. Aliás, mais grave do que isso, a verdade é que agora já é tarde demais para evitar esse futuro. A verdade é que podemos ter até já passado o ponto de não retorno para a extinção da nossa espécie.